Missão IX: lidar ou não lidar com certas coisas

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Às 1:22 da manhã, no banheiro da casa da avó, Melanie fechou o caderninho e tampou a caneta, encarando o chão com seus olhos quase se fechando pelo sono, se sentindo meio patética.  

Ela meio que tinha aderido àquela moda de fazer journaling e escrever coisinhas bonitinhas e positivas num caderno - tinha mostrado uma foto a Eloá porque achara bonito, e ela adorara e pedira que ela, por favor, começasse a fazer aquilo -, mas do seu jeito. E o resultado era aquele: o mesmo caderno de antes recheado de anotações que nem de longe eram positivas mas que ainda assim podiam ser disfarçadas com as imagens bonitinhas que ela imprimia e colava nas folhas, fossem elas de paisagens de países nórdicos e gelados ou cenas dos filmes do Studio Ghibli.

Ela suspirou e se levantou do chão branco e limpo, pegando o celular e desligando sua lanterna antes de sair do banheiro e voltar para a cama. 

Esteve escrevendo por longos minutos. Estava fazendo de tudo para não pensar no que iria acontecer amanhã, quando ela fosse encontrar sua mãe para decidirem o que fariam dali em diante. 

Melanie só esperava poder sair de lá com bons planos. Era o mínimo que podia exigir daquela situação.

~~

Adriana: Tudo certo para hoje, né?

Acho que vou comer igual uma sem educação

Alexandra: Sim

Só não sei com que roupa ir

Bia: Mostra que a gente te ajuda, amiga

Alexandra: Ta

Melanie sorriu franzindo as sobrancelhas e guardou o celular no bolso sem terminar de ler as mensagens, focando na vista a sua frente.

Aquela casa parecia outra. Nem de longe parecia o lugar que ela ansiava voltar só por causa do seu cantinho, seu quarto escuro e confortável.

Melanie subiu as escadas e abriu a porta, que estava destrancada. E então entrou em casa, hesitante. 

O lugar estava limpo e silencioso, sem nenhum sinal de luto aparentemente. Ou o que quer que ela tivesse esperado que encontraria ali.

- Mel? É você? 

Melanie se virou lentamente, deixando de encarar os quadros com fotos dela e seu irmão na estante da sala.

Sua mãe estava parada no corredor, olhando-a como se... Hesitasse. E engoliu em seco.

Melanie não disse nada, apenas esperou que ela dissesse alguma coisa. Que iniciasse aquilo.

- Achei que não ia vir... 

Ela se aproximou alguns passos, e Melanie permaneceu onde estava.

- Eu... O que foi? Não está com medo de mim, está? - ela tentou brincar, mas pareceu temer que fosse verdade.

Melanie a observou de cima abaixo: olhos fundos, cabelo desarrumado, pés descalços e pernas que pareciam ter emagrecido um pouco, assim como todo seu corpo.

Por que ela teria medo de alguém que parecia ter vivido um pequeno inferno num curto período de tempo? Ela não deveria ter pena?

A mãe de Melanie soltou uma risada abafada, pequena.

- Alguns dias fora e você agora não fala mais comigo? É isso? - ela se aproximou de novo, dessa vez com um olhar triste - Eu ainda sou sua mãe...

Melanie, desviando o olhar dela, encarou a sala limpa. As paredes e o teto.

A Voz do AmorWhere stories live. Discover now