Briga, briga, briga!

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A mãe de Melanie sumiu por alguns dias, deixando os filhos em segurança na casa da avó.

Samuel perguntava por ela e pelo pai todas as noites, mas cerca de quatro dias depois ele parou de querer saber o que estava acontecendo, como se de alguma forma tivesse entendido que a resposta da vovó seria a mesma sempre.

Ricardo havia ido lá algumas vezes, porém. Para ver o filho. E a avó de Melanie, totalmente sem saber o que de fato tinha acontecido dias antes, o convidava para tomar café e tudo. Até conversavam sobre a vida.

Era um pesadelo tudo aquilo. Ver todos eles agindo como se nada tivesse acontecido.

Sempre fora assim, Melanie não sabia o porquê de ela nunca ter se acostumado. Talvez a mágoa dela fosse grande demais em seu coração para haver algum espaço para o esquecimento e o acomodamento. A inquietude sempre esteve lá também.

A mãe dela tinha ligado ontem para a avó - tentou ligar para ela também, mas Melanie obviamente não atendeu -. Aparentemente ela ainda estava trabalhando e passando as noites num hotel porque, segundo ela, as coisas entre ela e o marido não estavam indo muito bem.

Melanie se perguntava se ela, na verdade, estava com medo de voltar.

E por um momento desejou que ela tivesse feito algo pela própria proteção, um boletim de ocorrência, por exemplo - ela poderia muito bem inventar uma história para encobrir o verdadeiro motivo pela briga dela com o marido.

Melanie antes achava que não, mas depois de um tempo refletindo ela começou a reconhecer que ela sabia sim algumas coisas sobre a mãe:

Sabia que ela sentia medo do futuro as vezes, como se temesse um monstro invisível. Sabia que ela se preocupava demais com o futuro do filho mais novo na escola, por causa da leve dificuldade dele em se concentrar - Mel costumava ser aquela que ouvia e tentava tranquilizá-la com relação a isso -; sabia que ela tinha muita mágoa do pai dela pelo que ele fez a ela anos atrás, que ficava triste e determinada quando se lembrava das dificuldades que teve ao ter que criar a filha sozinha por anos... E sabia do leve medo que ela parecia sentir de Ricardo. Do próprio marido.

Melanie abaixou a colher colocando-a no prato, fazendo uma careta quando mastigou o próprio lábio sem querer.

Depois, por estar com a boca dolorida e uma cara nada agradável graças ao seu mau-humor de sempre, ela se levantou e resolveu ir lavar a louça.

A avó dela tinha ido com Samuel fazer compras e ela ficou em casa dando a desculpa de que tinha trabalho de escola para fazer - e ela realmente tinha, se ensaiar aquela coreografia ridícula para a apresentação do mês que vem fosse mesmo considerado um trabalho de escola.

A avó parecia estar amando ter os netos em casa. Ela estava cuidando deles de muito bom grado e era até meio sufocante as vezes a forma como ela tentava engordar Melanie - segundo ela, a neta estava magrinha demais ultimamente -. Ela vivia dizendo que ter os dois netos que ela amava morando com ela era como "um presente de Deus muito agradável".

Melanie só conseguia pensar no quanto ela precisava contar a verdade a ela. A próxima consulta dela com Eloá - sua terapeuta - seria na sexta-feira agora e ela planejava contar tudo que tinha que contar. Mas antes, ela precisava que a avó estivesse ciente de tudo e, principalmente, do lado dela.

Depois que contasse, Melanie iria direto para sua reunião semanal com as duas assistentes sociais da clínica - que eram mulheres que, há um tempo atrás, se ofereceram para ter uma conversa com ela, como uma aula de quinze minutos, sobre a mulher na sociedade, coisa que ela aceitou de muito bom grado. - Mel aceitava qualquer oportunidade de adquirir conhecimento. E aquilo era mais do que ela podia pedir, pois infelizmente sua escola nunca seria capaz de ensinar o que aquelas duas ensinavam.

A Voz do AmorWhere stories live. Discover now