O surto

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Melanie Mendes

Ter dezoito anos é, no mínimo, estranho. Há todo aquele receio esquisito de fazer algo errado e ir presa a qualquer momento. Tipo medo de brigar com alguém um dia e acabar matando a pessoa... É, Melanie estava com medo de matar alguém sem querer. Era isso.

Também tinha o fato de as pessoas oferecerem bebida alcoólica para ela agora, como se a vida de todos dependesse daquilo. Será que não percebiam que ela tinha acabado de sair das fraldas? 

Apesar disso, e apesar de repugnar um pouco o cheiro do álcool saindo da boca dos outros - inclusive da dela - ela aceitou um pouco de vodka e imitou Alexandra: misturou com suco de laranja e tomou.

Até que não era tão ruim assim.

Depois de fazer a vontade dos outros e experimentar - enquanto todos estavam conversando e George estava tomando banho -, ela se afastou de todo mundo com seu copo, seu caderno de anotações e sua caneta, e foi se sentar do outro lado da casa no conjuntinho de mesa e cadeiras de madeira que tinha ali.

Ela começou a escrever seu conteúdo de sempre:

"Não sei se eu já falei sobre isso aqui antes, mas tem um detalhe sobre essa minha condição psicológica que eu percebi há pouco tempo: além da dificuldade de falar não acontecer tão intensamente com crianças - consigo falar com os colegas do meu irmão, por exemplo, mas só quando sei que eles não vão tirar sarro de mim. É que nem aquele episódio em que a Komi-san vai na casa da Nene fazer chocolates para o Valentine's Day e ela consegue murmurar para os irmãos mais novos dela quando eles pedem, e tudo que eles dizem é "você tem uma voz bonita. Devia falar mais vezes". Sem piadinhas ou reações exageradas. Por isso - creio eu - que é mais fácil quando é uma criança inocente e sincera na sua frente, e não um adulto com olhares julgadores ou expectativas altas demais -, há também o fato de que...

Bem, é só uma suposição minha. Não sei se é 100% certo mas, como eu dependo de apenas mim mesma para fazer essa pesquisa, sei que não é impossível de acontecer comigo pois já aconteceu uma vez.

Em situações extremas, seja algo relacionado ao trauma ou simplesmente numa situação de desespero, por exemplo, ou até mesmo raiva, pode acontecer de deixarmos escapar coisas que não diríamos num outro momento mais comum do nosso cotidiano.

É assim comigo. Imagino que se eu passasse por uma situação intensa com muita raiva ou desespero, eu começaria a falar sem perceber. Porque meu cérebro estaria focado em outra coisa mais forte do que o meu medo de falar.

É, acho que era só isso que eu tinha para escrever aqui (por enquanto). Não sei se ficou bem explicado porque não consegui me focar direito graças ao barulho e as risadas altas, mas de qualquer forma a Melanie do futuro vai saber explicar melhor, acho."

Ela fechou o caderno no momento exato em que George chegou com os cabelos molhados e uma toalha branca em volta do pescoço, vestindo uma bermuda e uma camisa branca sem mangas. Era uma visão nova para ela, vê-lo vestido daquele jeito sem a roupa formal de sempre. 

Ela queria vê-lo daquele jeito mais vezes.

- Estou te atrapalhando? - ele perguntou preocupado vendo que ela estava com os materiais de escrita. E quando recebeu uma negação como resposta, ele suspirou e se sentou na rede de frente para ela.

Melanie aproveitou e se acomodou melhor na cadeira macia, esticando os pés na direção dele para receber massagem.

- Está tão quente, não é? - ele comentou olhando para a vista verde ao redor deles - O que acha de irmos para a praia, só nós dois? 

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