Carioca Trash • pjm + jjk

01

Março de 2005

Sexta-feira

Horóscopo da semana para o signo de virgem: Mercúrio, Vênus, Sol e Lua transitam para a sua área da paixão, prazer e criatividade. Tanto no trabalho, quanto na vida pessoal o clima será cheio de novas emoções. Sexta o amor falará mais alto. Um encontro repentino trará surpresas na sua vida amorosa.

✧✧✧

Aquela era uma manhã qualquer de final de verão, num país qualquer do hemisfério sul, numa cidade qualquer de praias quaisquer, num bairro qualquer tal Madureira, numa ladeira qualquer e numa casa qualquer. E como em todas as outras manhãs daquele ano e dos anos anteriores eu, Jungkook Jeon, conhecido — ou melhor: desconhecido — como Juno, estava trancado no meu quarto, costurando, ainda sem imaginar tudo o que me aconteceria naquele dia não tão qualquer assim.

Ouvia-se por toda a casa a música "The girl in my memories" do Hwang Chi Hoon, ao que o meu pé, ritmado pelas batidas da música, empurrava o pedal da antiga maquina de costura que havia pertencido a minha mãe.

Eu não falava ou escrevia bem o coreano, apesar de ser descendente de coreano, mas ainda assim lembrava de uma ou duas coisas que minha mãe me havia ensinado, e conseguia pescar o sentido geral daquela música. Alguns versos sendo capazes de me dilacerar por inteiro, agora mais do que nunca, porque eu infelizmente podia entende-los como ninguém, já que eles falavam diretamente com a minha alma.

— Essa música, filho, é muito triste e muito bonita, como todo grande amor. — Havia dito a minha mãe, cantando os versos com uma voz doce, ao que ela afagava o meu cabelo, até virar-se em seguida para a sua maquina de costura.

Há apenas a minha tristeza e solidão no lugar em que seu amor passa.

Ainda que você não esteja mais aqui, ainda que não me tome mais nos seus braços e me console, ainda que você não cante mais para eu ouvir, a brisa trás o seu cheiro quando eu menos espero e eu sinto o seu aperto, um toque, no meu coração, quando tudo parece errado. É o seu amor passando em meio a minha tristeza e solidão. E isso acaba comigo terrivelmente. Porque você se foi e não há mais futuro a ser construído ao seu lado.

Apenas as memórias passadas são para sempre.

Sim mãe. Essa música é exatamente isso: triste e muito bonita. E é perfeita para descrever a nossa história.

Eu sempre deixava uma lágrima escapar quando ouvia "The girl in my memory", principalmente se estivesse costurando. E o tecido sobre a maquina sempre ficava um pouco molhado quando eu terminava. Sendo assim, eu era obrigado a estender a roupa numa corda na varanda, e quando eu finalmente voltava da escola e a roupa estava seca, fingia que era a minha mãe (e não o sol) quem tinha secado as minhas lágrimas, onde quer que ela estivesse. Aquilo aquecia o meu coração de tal forma que imaginar a minha mãe cuidando de mim ainda, independente dos anos passados após a sua morte, tinha virado um vício meu, que aos poucos corroía o meu coração na mesma medida em que o curava.

Após terminar a emenda numa blusa da dona Lurdes, pus a blusa para secar — eu tinha chorado muito —, e caminhei até o banheiro lavar o rosto e começar a minha segunda sessão de terapia. Esta era: passar maquiagem na frente do espelho enquanto ouvia David Bowie.

Eu tinha descoberto o David Bowie com 14 anos, logo após a morte da minha mãe, e tinha sido como se ele me tivesse segurado a mão e me puxado para fora do precipício em que me encontrava. Nós podemos ser heróis, apenas por um dia. Nós podemos ser nós mesmos, apenas por um dia. E dia após dia eu tentava ser o herói da minha história — mesmo que eu não acreditasse muito nas minhas capacidades em ser um bom protagonista —, e tentava ser sobretudo eu mesmo, quem quer que este fosse.