Kauã & Hugo ( Romance Gay )

Capítulo 10.( Âmago )

Duas semanas se passaram desde o corte de cabelo, e decidimos sair para um passeio de bike. A sensação de vento acariciando a pele e os diversos sons da rua tornaram a experiência incrível. Havia esquecido como é a sensação de andar de bike. No entanto, na manhã seguinte, despertei sem ânimo. Não é algo comum, mas às vezes acontece. Desde que Kauã entrou na minha vida, minhas manhãs têm sido distintas, mas hoje foi diferente.
Compreendo que dias ruins estão sempre dispostos a acontecer. Ninguém é feliz o tempo todo ou algo do tipo. Mas sempre é uma tempestade horrível quando se entra em contato com emoções que não surgem a um tempo. Kauã trouxe uma nova luz à minha vida, mas mesmo assim, há momentos em que as sombras do desânimo tentam se instalar. E Hoje é um desses dias.

Passo meus olhos por uma pilha de livros, cadernos e anotações que estão sobre minha mesa. Havia feito algumas colagens e queria fazer um presente para a avó do Kauã.
Quando estávamos andando de bike e paramos em algum momento para descascar e beber um pouco de água, ele me contou que Sr. Marino havia recebido uma ligação da moça que cuida de Dona Marta, avó dele. Ela havia caído no banheiro. Nada muito grave, mas ela desejou ver o filho e o neto. Fora que a moça que cuida dela comentou que está cada vez mais difícil fazê-la comer.
Toda essa situação me fez lembrar de quando a minha vozinha era viva. E tenho certeza que ela falaria para mim tomar conta do Kauã. Porque coisas assim, que não estão sob nosso controle, não são fáceis de se lidar. E é sempre bom ter alguém por perto. Decidi enfrentar toda a papelada e montar os presentes no jardim. Sinto que não existe lugar mais calmo e tranquilo do que esse recanto. Minha mãe observa-me da janela da cozinha, sorrindo enquanto continua suas tarefas, repetindo essa ação diversas vezes. Acho que está curiosa em saber o motivo de tanto papel colorido e cola. Nunca fui um garoto de fazer coisas manuais ou presentes. Até pelo fato de não gostar de  presentear os outros. E um aspecto bem esquisito de se ter. Mas eu não faço ideia do motivo de ser assim. Apenas não gosto.

⎯ Kauã realmente tem uma certa influência sobre você!⎯ Levo meus olhos até ela e sorrimos⎯ Posso saber pra quem é esse lindo presente?

Hugo: Para avozinha dele. Andou acontecendo umas coisas com ela e, sei lá, gostaria de fazer alguma coisa para ajudá-la a se recuperar.

⎯ Que bonito! Está ficando lindo⎯ Seus olhos estão marejados e o canto de sua boca treme.
Minha mãe deve ter se lembrado da sua relação com a minha avó, em como elas eram próximas. Quando minha avó ficou doente, ela   entrou em estado de negação. E ninguém quis ajudá-la. Minha mãe tentou, mas só ela não bastava. Meu avô, companheiro da minha vozinha, aquele que era para ser o primeiro a ajudá-la, não moveu um músculo. Vivia dizendo que ela não o deixava dormir e que escondia as coisas dentro de casa. O que não passava de desculpas esfarrapadas que ecoavam.
Minha mãe era forte. Forte mesmo. Mas quando se trata desse assunto. Ele não conseguia. Não é fácil falar de uma perda...principalmente quando é sua mãe. Minha avó era teimosa, uma verdadeira cabeça dura. Não aceitava ajuda de jeito nenhum! Com o passar dos anos, sua situação se tornou cada vez mais complexa, e apenas se agravava. Os vizinhos comentavam sobre como ela estava se deteriorando, uma expressão que só servia para piorar as coisas. A sociedade frequentemente trata os idosos como se fossem um fardo, esquecendo que o envelhecimento é um fenômeno natural, irreversível e constante. Todos nós estamos destinados a envelhecer um dia.⎯  O que está fazendo pelo Kauã vai muito além de acolhe-lo. Esse presente vai mostrar para vó dele que ela ainda é amada. Amada por uma outra pessoa que nem se quer a conhece. Fico feliz por sua ação, Hugo.

Ela depositou com doçura um beijinho suave na palma da minha mão e, com um sorriso triste em seu rosto, voltou  para dentro da casa. Fiquei ali, questionando-me sobre o mistério que envolve mães, como invocam esse espírito e presença de sabedoria que permeiam cada gesto.