Kauã (( Carta )):

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Meu Hugo,
escrevo essa sigilosa carta que jamais lerá. Sempre me considerei um garoto que não possuía medo de nada. Mas olhe só para mim agora! Aqui está o garoto temendo algo.
Hugo, me falta coragem de externa o que sinto nesse exato momento! Faz algumas semanas desde que voltamos de Lisboa, à praia que fica bem pertinho daqui. E foi lindo! Nem nos melhores sonhos poderia idealizar algo tão fantástico. Eu, você, o mar, nós dois. Já sinto saudades do gosto da tua pele salgada, dos teus cabelos molhados, da tua perna repousando na minha barriga e dos teus olhos,  pelos quais descobri o universo.

Mas, esse não é o motivo de tal escrita. Antes fosse. O que me atinge é que meu pai foi finalmente aceito na universidade federal da Bahia como professor. Sim, como PROFESSOR e sim, na BAHIA. BEM LONGE DAQUI. MUITO LONGE. Ele não fez arrodeios para me contar tal alegria. Saltitou e correu pelo casarão como uma criança ao descobrir que vai ao parque.
De fato é um acontecimento esplêndido! Meu pai é apaixonado por lecionar e passar conhecimento para o outro. Mas e que, infelizmente, vamos precisar nos mudar. E isso está me corroendo por dentro, como um veneno. Não tenho coragem de olhar no fundo do teu olho de jaboticaba e dizer-te que vou partir. Não quero partir. Não quero sair daqui, não quero me partir de ti. Sei que toda essa informação vai doer mais em você  do que em mim e sinto muito por isso. Tem coisas que não estão sob nosso controle.

Tem uma parte da minha vida que nunca contei, porque havia pensado que jamais ela retornaria acontecer. Mas aqui estão os fatos: Meu pai nunca fica aqui por muito tempo. Meus avós dizem que é por causa da minha mãe. Por todo esse lugar lembrar ela. Essa é a verdade. Não lhe contei antes pois tinha confiança que dessa vez, só dessa vez, ficaríamos aqui. Meu peito doe por isso. Nas outras cidades em que passamos, nunca relutei em ficar. Nas outras nada me era verdadeiramente interessante. As relações eram estranhas, as pessoas eram esquisitas e tudo me sufocava. Fora que...nas outras cidades não havia um HUGO.

Não havia ninguém para me amarrar e me fazer ficar. Aqui eu tenho. Tenho o meu Hugo!. O garoto que me faz acreditar nas melhores coisas. O garoto que ama desenhos animados, com alguma história de superação ou lição envolvida. Que se diverte lendo tirinhas (Principalmente as da Mafalda). O garoto que curte comer bolachinhas de sal com presunto todas as tardes e, assalta a geladeira às duas da manhã. Sempre às duas da manhã. O garoto que tem Avatar como um dos filmes favoritos e não os que controlam os elementos, não esse. O filme dos alienígenas azuis. Os Na'vis. O garoto que usa pulseiras diversas nos braços: Uma da bandeira Lgbt, feita de tecido na qual amo passar o polegar. Outra do bom fim e algumas do pai eterno. O garoto que não acredita em divindades sagradas mas, todas as noites reza e faz presse para nossa senhora e Iemanjá. O garoto que segurei em meus braços quando nos esbarramos na saída de um shopping. O meu garoto. E eu não quero te perder. Vou lutar o máximo que puder! Você sabe que não desisto fácil das coisas que quero.

Hugo, posso está falando a maior bobagem do mundo, mas você me faz acreditar nas coisas boas do universo! Me faz querer ser uma pessoa boa e melhor todos os dias, me fez enxergar o amor por uma outra visão e me mostrou que amar é mais do que dizer do amor. Nos seus braços, encontrei um refúgio seguro, um lugar onde eu posso ser completamente eu. E isso é tão lindo, meu amor.

Enquanto escrevo, lembro vividamente daquela noite de futebol de botão, quando o mundo do lado de fora parecia desmoronar sob uma das maiores e mais assustadoras tempestades que já presenciamos. A televisão da sala estava ligada e no mudo. As luzes de casa estavam em  uma cor amarelada confortável, como se estivéssemos vivendo dentro de um filtro. Lembro de te olhar por inteiro. Observar cada parte do meu garoto! Teus pés tocando o carpete, teu sorriso solto, teu moletom amarelo com listras azuis e tua calça desbotada davam um ar despojado. Lembro que meu pai, em alguma hora da noite, colocou Bethânia para tocar e abriu uma cerveja. Você me olhou surpreso, soltando uma risada e eu entendi naquele instante.
"Sr. Marino tomando cerveja? Isso é novidade", você sussurrou em meu ouvido enquanto pegava algumas batatas fritas. Com um sorriso leve, respondi descontraído: "Não se deixe enganar por essa aparência intelectual. Professores e poetas também bebem cerveja, Hugo. Fascinante, não é?". Naquele momento, nossas risadas se misturaram ao som da música e ao barulho da chuva lá fora. Era como se, naquele instante, o mundo inteiro pudesse desabar, mas nós estaríamos ali, juntos, enfrentando qualquer tempestade.

E é isso que desejo que façamos neste exato momento. Enfrentar a tempestade. Não quero te deixar, não quero! O que eu quero é ter mais momentos especiais, como naquela terça-feira em uma daquelas noites de verão, onde o calor do dia, uma hora ou outra iria dar lugar a uma brisa suave, refrescando tudo. Lembro que a lua brilhava entre as nuvens, enquanto as estrelas pareciam  enfeites de natal.
Lembro que havíamos acabado de chegar do parque e eu o sequestrei, o levando para minha  casa, pois meu pai não estaria lá e eu estava determinado a tornar aquela noite memorável.

Lembro que não se passaram nem cinco minutos e a chuva começou a cair forte. Eu te olhei, você me olhou e, instantaneamente, tivemos a mesma ideia. foi fantástico. Saímos pela porta de trás, indo diretamente para o jardim. A luz azulada dos refletores deu um charme aos nossos corpos quase nus, cobertos apenas por cuecas box. Ainda sinto cheiro da terra molhada, do teu creme de cabelo e da pipoca explodindo dentro da cozinha. Corremos o jardim inteiro, observando as folhas das árvores dançando ao som daquela água forte.

Você sorria como uma criança e seus olhos brilhavam. Me senti completamente vivo naquela noite. Nada mais no mundo importava.

Lembro que havíamos colocado a caixinha de som do lado de fora e o aleatório do Spotify colocou "Negue" de Maria Bethânia. E lá estava você, descaradamente, com à maior malícia das malícias estampadas em seu rosto. A boca molhada, o corpo brilhante do líquido que jorrava do céu. E você veio. Veio até mim e eu fui até você. Lentamente e magneticamente, nossos dedos se entrelaçam. Nossos sorrisos brincaram na boca e em passos lentos, dançamos. E toda melodia preenchia o ar. Eram passos delicados e suaves, com giros sob a chuva. Teus lábios ligeiros encontravam os meus. E nesse universo todo de bolhas e rolhas,   deitamos sobre a grama, com nossos braços abertos para o céu, recebendo bençãos.

Neste instante, sob a chuva que caía, ao som da música que pulsava em nossos corações, percebi que você é o garoto com quem quero dividir cada instante do resto dos meus dias!

Hugo, por favor, não desista de nós se eu partir. Prometo dar o melhor de mim para que possamos estar juntos para sempre. E antes de encerrar estas palavras, pois sei que já me estendi demais, permita-me citar um trecho da música "Eu Não Existo sem Você", também de Bethânia:

" Eu sei e você sabe, já que a vida quis assim. Que nada nesse mundo levará você de mim! Eu sei e você sabe, a distância não existe! E todo grande amor, só é bem grande se for triste. Por isso meu amor...não tenha medo de sofrer. Pois todos os caminhos me encaminham pra você!"

Te amo por todos os tempos.
Do seu amado Kauã.

um beijo, meu Hugo!.

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⏰ Última atualização: Apr 10 ⏰

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