Capítulo 12.( Despedida )

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Passaram três semanas desde que Kauã partiu para o interior do interior. Meus dias, apesar de monótonos, adquiriram uma aura peculiar. As coisas parecem se encaixar, como se tudo ao meu redor fluísse harmoniosamente. As aulas já não me provocam sono, as pessoas parecem mais amigáveis - embora eu mantenha uma distância segura delas. Tudo parece caminhar bem. No entanto, como é comum, tudo que é bom dura pouco. Bem pouco!

Hoje, o dia acordou seco, frio e distante de mim. Em um único dia, tudo mudou. Minha mãe me acordou, mexendo suavemente em meu pé. Ao abrir os olhos, deparei-me com ela chorando ao lado do meu pai, que permanecia impassível. Nunca o vi chorar; ele estava apenas mais frio. O olhar da minha mãe revelava evidente que algo não estava certo. Então, com suavidade, ela me disse: "O Hospice ligou. Eles disseram que o vovô precisa de nós agora. Preciso que se arrume, Hugo." Deixou-me ali, imerso em uma confusão mental avassaladora. Meu pai se aproximou, acariciando meus cabelos, essa é sua maneira de assegurar que as coisas dariam certo no final. Passei alguns segundos antes de levantar. Vesti-me às pressas e desci as escadas. Eles já não estavam mais lá. Encontrei apenas meu pai junto à porta. Não nos olhamos, não tínhamos tempo para isso. Peguei minha bolsa e dirigi-me ao carro. Durante o trajeto, ponderava sobre a avó de Kauã, se ela estava bem, se houve alguma melhora. E em Como poderia ser a âncora dele se meu avô também partisse? Como ajudar a dor do outro quando também se sente uma dor parecida?

Minha cabeça parou de rodar quando senti o carro freiar frente ao Hospicie. E foi ai que soube o que estava acontecendo. Meu avô não fala. Digo, não há problemas com sua voz, mas ele simplesmente não emite palavras. Às vezes um som ou outro, mas nada além. O câncer alojou-se no sistema central dele. Minha mãe passa dias ao seu lado, acreditando que é crucial ele ouvir a voz da filha. Mesmo com os médicos afirmando que ele não compreende o que falamos, ela insiste que seria benéfico para ele ouvir também a voz do neto. No entanto, eu detesto hospitais, especialmente o Hospice. Nos hospitais, as pessoas têm a chance de voltar, de sonhar com a vida novamente. No Hospice, não! Lá, não há esperança, apenas a certeza... a certeza de que a morte é iminente. Não estou tentando rotulá-lo como um lugar ruim, não é isso. É apenas um local que encara a morte como inevitabilidade. E eu simplesmente não consigo lidar com esse sentimento, apenas não consigo.

A enfermeira está parada à porta do quarto, segurando diversas folhas em mãos. Meu pai assume a papelada enquanto as duas entram no quarto. Ele senta ao meu lado e puxa uma caneta do pequeno bolso na blusa social.

⎯ Não vai entrar?⎯ Diz, olhando para as folhas. Parece mais sério, folheando e examinando atentamente.

Hugo: Não gosto.⎯ Cruzo os braços.⎯ Acho que...⎯ Deixo a frase inacabada. Não seria a melhor hora para falar.

⎯ Acha que não está pronto para ver alguém que conhece nesse estado?⎯ Completa, me deixando um pouco surpreso. Sempre que eu paro de falar, ele também para e tudo fica desconfortável.

⎯ Você vai precisar entrar lá uma hora ou outra. E você sabe que ela.⎯ Minha mãe.⎯ Vai precisar da sua atenção. Eu sou frio demais para isso.⎯ Ele me olha e volta para as folhas.

Hugo: Talvez ela também precise da sua frieza. Eu não quero vê-lo. Não assim. Não quero vê-lo com tubos e fios.⎯ Ele guarda a caneta e cruza os braços também.

⎯ Certo.⎯ Ele diz, fitando a parede.⎯ Ninguém vai pressioná-lo a nada, Hugo.⎯ Meu pai não era de muitas palavras nem demonstrações, mas ainda era meu pai.

Hugo: Desculpe, pai, mas eu não consigo... e é que, perda e morte são temas que...⎯ Minhas palavras se perdem no meu céu da boca. É tão estranho tudo isso! Em todos os aspectos.

⎯ Entendo! Não é algo que se possa cobrar de um adolescente, até porque nós, adultos, também não sabemos conversar com a morte. Ninguém sabe. Gostamos apenas de sentir como se fôssemos super-homens voando alto por aí com nossas capas vermelhas. Eu, você e sua mãe viemos em silêncio. Sabíamos o que está acontecendo, mas preferimos ficar calados diante dessa ocasião, e sabe o porquê?⎯ Faço que não com a cabeça⎯ Porque ninguém gosta de falar sobre a morte. E não falo nem sobre a questão de perder alguém que se ama, porque isso é outro aspecto. Mas falar da morte do outro, olhar para o outro morto, é contemplar a si mesmo! Olhar a morte do outro revela a nossa própria morte. Não somos super-homens invulneráveis, mas sim seres finitos destinados a encarar nosso término em algum momento! Também não quero entrar, também não quero vê-lo assim! Detesto isso. Mas é inevitável, Hugo. Totalmente inevitável.

Tentei conter as lágrimas, despendendo todos os esforços para me manter firme. No entanto, um grito entrelaçado de dor e choro ecoou do quarto, era o grito da minha mãe escapando breve mas angustiante. Minhas bochechas estão encharcadas e meu pai surpreendeu-me ao oferecer o aconchego mais caloroso e seguro do mundo. Em meio às lágrimas, percebi o quão idiota estava minhas ideias sobre ele. Talvez minha ignorância tenha nos afastado.
Talvez a ignorância dele tenha nos afastado. E tudo isso é uma tolice, mas, não sei não como recuperar um estrago do silêncio.
Ele não proferiu palavras, apenas abraçou-me, transformando sua "frieza" no lugar mais quente e acolhedor. Enxuguei as lágrimas, levantei-me e adentrei o quarto. Minha mãe estava agarrada à mão de meu avô, um homem que, de longe, não pode ser descrito como o melhor pai do mundo. Ele fora injusto com minha avó e permaneceu ausente no final de sua vida. No entanto, lá estava minha mãe, sua filha, a mesma que ele discriminara e afastara. A filha que enfrentara suas palavras maldosas e distanciamento. E por um momento senti-me em seu lugar. No lugar da minha mãe. Pois eu também estaria da mesma forma se fosse meu pai. No final das contas, percebi que o que verdadeiramente une nossa família não é apenas a saudade ou o desejo de estarmos juntos, embora esses sentimentos também desempenhem um papel. Na maioria das vezes, é a dor que nos reúne, que nos faz sentir verdadeiramente família. E isso é o aspecto triste de se ter! Lamento por isso! lamento por todos nós.

Dirigi-me ao jardim, onde algumas mensagens reconfortantes de Kauã relatavam que tudo estava bem e sua avó, que aos poucos, retomava o apetite. Contudo, escolhi não compartilhar com ele a gravidade da situação do meu lado. Não desejo que ele perca tempo valioso que está passando com sua família. Os meus problemas, afinal, são meus e somente meus. Não seria justo com ele.

Às 18 horas, despedimo-nos. Não acredito que meu avô tenha sofrido. Não houve sequer um sinal. Minha mãe abraçou meu pai, e ele a envolveu entre os braços, como um escudo protetor. E no final, olhando essa cena, eu imagino meu pai como um super-homem. Queria chorar, mas as lágrimas teimavam em não se manifestar. Às vezes, meus sentimentos são uma confusão inexplicável.

No trajeto de volta para casa, o mundo pareceu compreender nossa dor, a dor de minha mãe, pois tudo mergulhou em um silêncio completo. O único som perceptível era o suave sussurro do vento. Seu olhar estava distante, e observá-la assim era estranho. Minha mãe é uma pessoa forte, mas ninguém é 100% isso ou aquilo. Somos humanos. Nesse dia, tive a oportunidade de conhecer melhor meu pai, sentir seu calor, perceber como ele me protegia à sua maneira, enquanto minha mãe deixava o seu partir.

Notas do autor: Gostaria de deixar claro que em nenhum momento quis ofender profissionais que trabalham e levam o Hospicie como um lugar de acolhimento para aqueles que vão passar seus últimos momentos de vida. Os pensamentos do Hugo são ligados à ingenuidade de não saber informações sobre esse lugar e sobre ser confrontado sobre a morte e o sentido da vida. De forma alguma quis ou pretendi banalizar ou colocar um olhar falso a respeito. Caso algo esteja errado ou caso ofenda pessoas, por favor, me informe! Hospicie tem um trabalho lindo de cuidar e auxiliar pessoas em seus momentos de dificuldades e de fragilidade dando apoio e estrutura para isso!

Kauã & Hugo ( Romance Gay )Dove le storie prendono vita. Scoprilo ora