1.1 Heloísa

34 10 3
                                    


deixe seu voto e comentário!

.

.

.


Em algum lugar do litoral baiano


LUA DE MEL deveria ser romântica, sexy e feliz. Então por que eu estava sozinha em um bar bebendo caipiroska? Porque caipiroska e caipirinha era muito bom? Também, mas porque meu marido disse, com todas as letras, que eu podia fazer o que eu quisesse quando ele saiu do quarto de resort, me deixando sozinha.

Calma, vamos por partes: depois de eu descobrir qual era o plano B de meu pai, respirei fundo e aceitei. Não tinha escolha, nem tinha jeito. Precisava ser feito. Fui acompanhada com meu pai até Eduardo Tourinho — conhecido como Lobo no meio profissional, chamado pela família por Edu —, que seria meu cunhado e se tornou o meu marido. Irônico.

Eduardo não olhou para mim em nenhum momento, nem quando assinamos os papéis, pulando toda a besteira cerimonialista, nem quando o padre pediu para a gente se beijar. O padre tinha uma vaga noção de que algo estranho estava acontecendo, mas era bem pago para não falar sobre. Então quando Eduardo não me beijou e simplesmente saiu, ninguém estranhou.

Ele me esperou no carro, do qual fomos até o aeroporto e, de jatinho particular, chegamos à ilha. Com um check-in breve, fomos direcionados ao nosso quarto, quando a porta foi fechada, ele disse a brilhante frase e saiu.

Eu ainda estava em meu vestido de noiva. Devo admitir? Eu ainda estou em meu vestido de noiva. Ele saiu do quarto ainda em sua roupa formal. Na verdade, ele não tinha nenhuma roupa e provavelmente não cabia perfeitamente nas roupas de Totó, que estavam na mala no carro.

O porquê, em um casamento falso, eu quis me vestir como uma real noiva não era apenas por mera formalidade ou para que ninguém desconfiasse, era que eu achava que eu me casaria apenas uma vez e mesmo que não fosse verdadeiro, queria toda a experiência.

Se Totó estivesse aqui, a gente não faria sexo, mas beberíamos no quarto e imitaríamos gemidos altos, porque éramos esse tipo de amigos. Sentia falta dele. Queria também matá-lo.

Com Totó, talvez tirássemos fotos vestidos de noiva e noivo e publicaríamos em nossas redes sociais. Era engajamento certo. Com Eduardo? Eu nem sabia se ele tinha uma conta que fosse em qualquer rede social. Era um troglodita, um neandertal.

Pensando em meu amigo, me senti aliviada por nunca publicar o famoso "disse sim" com um anel de noivado e marcar a conta dele. Seria estranho explicar o casamento repetindo com o irmão mais velho. Ainda bem que esperava até depois do casamento para começar a publicar o que quer que fosse do meu "relacionamento".

Pedi mais uma caipiroska, dancei, queria ver o sol nascer, mas voltei para o quarto pouco antes das cinco da manhã. Bebaça. Andava trocando os pés e tudo, mas se tinha uma coisa que a família Braga, a minha paterna sabia e estava em meu sangue, era saber beber. A gente bebia até o nunca — que Clarice Lispector me respeitava com a minha menção honrosa a sua frase de "dormir até o nunca".

Mas bebíamos, e bebíamos muito. A primeira vez que eu bebi, inclusive, foi quando completei dezessete anos e foi com meu pai, era claro. Em apenas um copinho de uísque eu me senti diferente e não bebi mais nada, voltei a beber apenas com uns vinte anos e o que meu pai me alertou era que, eu até poderia beber muito, mas tinha que saber beber, porque o mundo era ordinário demais com as mulheres, principalmente com as bêbadas.

Então eu aprendi a beber, controlava a quantidade, parava, ia ao banheiro, comia um doce, dançava, suava, mas não deixava de beber muito e, quando queria — e eu queria algumas vezes —, ficava bêbada. Como hoje. Era meu casamento, não era? Eu merecia.

Quando abri a porta do quarto do resort com o cartão, fechei-a com cuidado, porque não sabia se estava sozinha, mas, sinceramente, acreditei que estava. Apesar de o quarto ser enorme, tendo também uma sala com sofá de dois lugares, não acreditava que Eduardo iria querer dividir comigo, ele parecia o tipo que não gostava de dividir nada.

No escuro do quarto, coloquei minhas mãos em meu pescoço, começando a desamarrar o nó do meu vestido quando uma voz, no canto do quarto, sentado em uma poltrona, assustou-me dos pés à cabeça, me fazendo arrepiar todinha:

— Você demorou.

Desgraça! — xinguei segurando aquele nó agora frouxo.

Na maioria do país "desgraça" não era um palavrão, mas na Bahia era um dos piores tipos e eu não era muito adepta a usá-lo, principalmente às noites ou madrugadas, porque minha mãe falava que atraía coisas ruins. Se atraía ou não, eu não sabia, mas não achava que haveria nada de mais ruim do que o homem que estava bem ali, escondido na penumbra.

— Puta que pariu, homem. O que você está fazendo aí?


.

.

.

deixe seu voto e comentário!

O Caminho Ao LoboWhere stories live. Discover now