8.1 Eduardo

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NO BAR, PEDI MAIS UÍSQUE e senti tardiamente que estava sem meu celular. Não percebi que ficou na mão de Heloísa durante todo o momento de fotos e após isso. Não me sentei no ponto mais reservado do bar, fiquei no banco alto em frente ao balcão, pedindo doses após doses.

— Helô está te dando muito trabalho? — O bartender me serviu, rindo. O mesmo que tinha sorrido para Heloísa mais cedo.

— Você a conhece? — O encarei.

— É, ela já veio aqui acompanhada com um menino bonitinho... Achei que era um casal, mas se apresentaram como irmãos. O nível de afetividade foi um pouco estranho, mas quem sou eu para julgar?

Coloquei meus antebraços em cima do balcão e abaixei minha cabeça. Conseguia até mesmo ver a cena de Antônio e Heloísa se apresentando como irmãos, mas, para provocar, se beijando ou fazendo qualquer merda do tipo. Ela parecia um pouco mais centrada e madura que meu irmão, mas talvez tivesse o mesmo nível de bitolice que o moleque.

— O "bonitinho" é meu irmão — falei e não sei porque falei, mas talvez eu estivesse cansado de ficar tanto tempo calado.

— Então... — O bartender apontou para mim e para a porta do bar. Ele estava se esforçando para entender aquela árvore genealógica que os idiotas inventaram.

— E não, eles não são irmãos. Antônio é meu irmão, Heloísa não é nada minha, como também não é nada dele.

Mesmo com a minha explicação, ele fez uma careta e começou a limpar o balcão e lavar os pratos em seguida.

— Isso explica porque eles riram da minha cara... Não pegaram o pacote all inclusive, mas ganharam vários drinques grátis, porque falaram que perderam os pais...

Segurei a borda do mármore do balcão e encarei a bebida à minha frente. Me recordei quando Antônio sumiu depois do enterro de nosso pai há alguns anos.

— É, nosso pai morreu. O meu e de Antônio, para esclarecer. Os pais dela estão bem vivos.

— Meus pêsames — falou.

Assenti. Foi mesmo uma merda. Meu pai não era santo, mas... Era meu pai. Havia algo singular, arcaico e talvez até mesmo milenar sobre os pais. Não importavam se eram adotivos ou biológicos, afastados ou próximos, perder um criava uma espécie de luto e buraco no peito. Não importava também que eu tivesse quarenta e não mais vinte ou não mais dez anos, ainda sentia falta daquele velho estúpido.

Antônio era o filho do meio, porque Kênia foi adotada depois dele nascer, mas tinham praticamente a mesma idade, porém a relação dele com o velho foi ainda mais intensa do que a minha. Saí de casa cedo, não fiquei tão próximo geograficamente. Ele não. Ele estava sempre ali. Diferente de alguns clichês, o velho quem passava a mão na cabeça de Antônio e não nossa mãe, que era mais apegada a Kênia.

— O que foi? — perguntei ao bartender que ainda parecia desconfiado de algo.

— Você disse que Helô não é nada sua. — Ele enxugava os poucos pratos e os vários copos.

— E não é — reafirmei.

— Mas vocês não... não casaram? — Com seu cabelo raspado e tatuagens no pescoço, era de se estranhar vê-lo sem graça em perguntar algo "simples", mas ele estava sem graça.

E... puta que pariu para mim. Como pude esquecer que Heloísa era minha esposa? Não poderia mais repetir que ela não era nada para mim. Ninguém além de nossa família poderia saber que isso era falso. Toda a documentação se baseava em um acordo mútuo de um relacionamento real. Se qualquer ilegalidade fosse comprovada, nossas ações — agora unificadas — seriam facilmente desativadas ou inativas. O processo que levaríamos? Os acionistas, os parceiros, o mercado iriam comer meu...

— É — respondi. — Nos casamos há quatro dias. É ainda um pouco difícil para eu processar que realmente aconteceu.

— Por quê?

É. Por quê? Por que é um casamento falso? Por que quem ia casar seria meu irmão?

— Eu não pensava em me casar — admiti. — Então foi um pouco... rápido, quando tudo aconteceu.

— Mas agora ela tá puta com você.

— Ela sempre tá puta comigo.

O bartender riu e começou a guardar os copos.

— Você também não parece muito feliz com ela...

Se um homem que nos viu por poucos minutos achava isso, será que outros não achariam o mesmo? Casais brigavam, era normal, mas será que era normal como nós dois nos relacionávamos em tão poucos dias?

A resposta estava clara para mim. Bebi em vez de xingar. Xinguei pensando que teria que quebrar algumas regras...

O Caminho Ao LoboWhere stories live. Discover now