11.1 Heloísa

33 8 3
                                    


EDUARDO SAIU PARA CONFRONTAR Antônio que estava na casa da mãe. Com isso, sabia que Eduardo não voltaria tão cedo e que Totó, amanhã, apareceria com um olho roxo ou algum dente quebrado. Meu amigo não era fácil, também batia muito, se envolvia em brigas, mas não em seu irmão mais velho. Com Eduardo, ele sempre apanhava. Se era algum nível de hierarquia entre irmãos, eu não saberia, não tinha esse parentesco com ninguém.

Sozinha na casa e ainda absorta pela última interação com o Lobinho, subi para colocar algumas roupas dele dentro de meu quarto e vice-versa. Invadir o seu quarto apenas me lembrou quando ele esqueceu o celular no quarto do hotel.

Primeiro, quando me dei conta que o celular estava em minhas mãos, não soube o que fazer com aquela suposta preciosidade. Apenas suposta, porque eu não sabia a senha, então o que adiantava ter o celular?

Como ele era um demônio, chutei 6666 depois de descobrir que eram quatro números. Tentei as sequencias numéricas de um a quatro, depois de quatro a um; os números impares em várias ordens; os números pares; anos de nascimento, o dele, o de Totó e de Kênia. Testei até mesmo o ano em que Gilberto, o pai deles, morreu. Nada.

Era claro que entre uma tentativa e outra, eu parava por alguns segundos e fazia alguma outra coisa. Fumava, bebia, dançava, ouvia uma música até o segundo minuto dela. Tudo, menos que o celular bloqueasse e ele soubesse que eu estava tentando invadir a privacidade dele.

Desistindo, testei zeros. 0000. Era a senha do meu celular e... desbloqueou.

Arregalei meus olhos e mexi na lista de contatos e em alguns aplicativos, de mensagens, redes sociais, mas nada... O homem simplesmente não tinha vida nas redes sociais, também não tinha muitas conversas com ninguém. Aquele era o celular pessoal dele, mas não havia o nome de muitas mulheres e quase não conversa com nenhuma. Não havia nenhuma foto dele. E nenhuma foto de alguma mulher.

Se fosse o celular de trabalho, talvez eu encontrasse algo, mas talvez fosse apenas conversas com investidores e coisas do tipo, nada realmente... interessante. Como era possível?

Procurei nos contatos o prefixo — ou sufixo, sabe-se lá como ele poderia colocar na agenda — GP, RP e siglas parecidas, mas nada. Ele não tinha uma garota de programa ou "relações públicas" em seu celular.

Era um homem sem nada. Vazio. Se ele invadisse meu celular, encontraria aquele aplicativo clássico de relacionamentos. Assumia que desabilitado, com meu perfil não visível, mas o aplicativo existia. Existia também um a ver com "cupido", que nada mais era que paquerar em inglês com pessoas de fora do país. Também desabilitado, mas ainda existia.

Fotos seminua? Eu tinha várias e recebia várias também. De homens; às vezes de mulheres, mesmo quando eu não pedia. Minha galeria era bloqueada por outra senha; assim como minha agenda e meu aplicativo de conversas. Não dava para dar mole em ter a conta invadida. Havia algumas coisas leves, mas havia outras mais... explícitas.

Rindo, mexi mais no guarda-roupa dele e a cada roupa que olhava, um tédio profundo me invadia. Como era possível o homem não ter mais bermudas, sandálias e camisas básicas? Como uma pessoa sobrevivia com noventa por cento das roupas sendo terno, paletó, calça social?

Depois de mexer um pouco mais nos quartos, voltei para o dele e dei um sorriso ao encarar a cama. Por baixo do vestido, eu usava apenas calcinha e a tirei, deixando na cama dele, embaixo do lençol. Não era para as novas funcionárias encontrarem, era para ele. E eu sabia que ele encontraria.

Finalmente em meu quarto, liguei para Kênia, que eu sabia que estava com sua mãe, logo, com Totó. Ela não demorou muito para atender.

— Não — foi a primeira palavra que Kênia disse ao atender.

— Não o quê? — Entrei no banheiro e coloquei o celular no viva-voz enquanto escovava meus dentes.

— Dudu ainda não matou Totó, então não, não há nenhum corpo para enterrarmos esta noite.

Cuspi a pasta e gargarejei com água para enfim respondê-la.

— É, queria saber se precisava buscar alguém na cadeia.

— Ainda não — disse. — Mas Dudu já deu um soco em Totó...

— Clássico.

— Só que Totó revidou.

— Sério? Essa é nova.

— Mas foi um soquinho de nada no queixo. Acho que foi reflexo.

— E o que Eduardo fez?

Kênia respondeu:

— Ele se esquivou, por isso não pegou direito.

— E agora o que está acontecendo? — Peguei o celular e coloquei no ouvido, desligando o viva-voz. Andei até a cama e me ajustei no lençol.

— Mande seu maridinho vazar. — Totó pegou o celular da irmã e eu ouvi barulho e gritinhos de reclamação.

— Voltei — falou Kênia. — Já falei pra o idiota não pegar meu celular sem autorização. Isso, autorização existe e eu gosto. — Ela com certeza não falava comigo. — Mamãe linda conversou com os dois, disse que não são lutadores nem brutamontes, que tem boca para conversar, não se bater.

— Adiantou? — Eu ri.

— Nunca adianta, mas ela tenta. Eduardo saiu. Totó tá no quarto chorando. — Gargalhei e ela continuou: — Tudo bem, não exatamente chorando... Tá, ele tá só jogando vídeo game.

— Valeu pelas atualizações.

— Tá indo dormir?

— Sim... Por quê?

— Não vai querer conversar com Dudu quando ele chegar?

Rindo, respondi:

— Ele não vai querer conversar comigo, mas amanhã a gente vai ter o nosso momento.

— Como assim?

— Funcionários começarão a trabalhar na casa, então vamos ter que...

— Fingir ser marido e mulher.

— Exatamente! — Concordei, aos risos. Kênia também deu risada.

— Boa sorte.

— Valeu! Acho que vou precisar mesmo.


.

.

.

em breve, mais

O Caminho Ao LoboWhere stories live. Discover now