O Monólogo do Caranguejo Solitário (Prólogo)

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"Querendo ou não, todos usam uma máscara. Seja ela para se esconder ou para distorcer a realidade. Até eu mesmo uso uma... A diferença é que ao contrário das outras, a minha foi criada com base na única realidade e certeza da vida."

— As pessoas são estranhas em cada um de seus hábitos. Ninguém é igual, seja por vontade própria ou por acaso do destino, nem mesmo gêmeos nascem semelhantes em todos os aspectos. Como a água, fui educado para me moldar como manda o meu recipiente e não o contrário. Os sentimentos que possuo, as histórias que carrego, residem apenas dentro de mim. Mesmo os que vivem o mesmo momento juntos, criam pontos de vista distintos. A verdade é que ninguém é capaz de compreender ninguém por completo.

      Digo com uma expressão um tanto serena, sentado à beira de uma praia com meu dourado e brilhante  elmo de caranguejo fincado na areia. Meus arrepiados cabelos platinados, tais como o luar, balançam levemente com a brisa. Não havia ninguém no local além de mim a contemplar o infinito céu noturno cravejado de estrelas, a lua estava cheia com um brilho meio azulado da mesma cor de meus olhos, que refletia nas doces ondas do mar, cujas gotículas chegavam quase até à mim ao quebrarem na praia. "Que noite agradável para filosofar", pensei, esboçando um sorriso de canto.

— Fracos são os que e imploram para os outros; mentirosos são os que distorcem a realidade a ponto de tentarem enganar a si mesmos; desesperados são os que se auto destroem quando não vêem mais alternativas; ingênuos são os que ainda conseguem acreditar no mundo e creem poder mudá-lo da noite para o dia; oprimidos são os que se decepcionaram e agora tendem a oprimir; inseguros são os que tem medo até de si mesmos; neutros são os infelizes que não conhecem nem a si mesmo e se mantém em sua zona de conforto, incapazes de escolher um lado. Fraqueza, Mentira, Desespero, Ingenuidade, Opressão, Insegurança, Neutralidade. São estas as sete máscaras mais comuns que regem o homem, seja qual for sua época. São chamados de loucos aqueles que foram capazes de retirar todas essas máscaras sem medo de serem julgados pelos demais...

      De repente, um pequeno siri brinca de puxar minha capa. Sorrio para ele e o pego com ternura, acariciando seu casco com o indicador, este relaxa e encolhe os olhos para dentro de sua carapaça, deitado sobre minha mão. Levanto-me devagar, batendo a outra mão de leve em minha capa branca, porém, um tanto suja, visando tirar o excesso de areia; limpo também meu elmo, equipando o na cabeça e começo a caminhar por sobre a areia.

— A sociedade é composta de pontos de vista passageiros e incertos como a vida, tornando-se alguns deles as definições atuais da palavra Justiça; mas a verdade é que a justiça é algo que muda de acordo com a força maior que se apresenta, tomemos como exemplo o catolicismo, o absolutismo, o nazismo, o comunismo, entre outras formas de justiça que se esvaíram. Por que motivos essa menina que auto declara a reencarnação de Athena se diz a personificação da justiça? Se é assim que funciona, então que eu seja a personificação da morte!

      O crustáceo parece prestar atenção em cada palavra que digo. "Não troco a companhia dele nem pela de um milhão de pessoas, para mim, boa parte dessa humanidade falsa e cega por suas ideologias falhas consegue ser mais inteligente e útil quando está morta", penso.

— Meu nome? São os nomes de cada uma das cabeças que condecoram as paredes de minha casa zodiacal; suas faces de agonia, êxtase, ódio e paz em seu momento final são as minhas expressões. Eu sou o caranguejo que encontrou a casca inquebrável da justiça através da condenação.

      Olhando para o chão, acabo por encontrar uma bela e detalhada concha. Ponho-a sobre meu amiguinho, que logo se adapta a ela, então, o deixo seguir nas águas escuras do oceano. "Novamente estou sozinho", escuto tais palavras ecoarem em minha cabeça, um pouco aflito, olho para a lua cheia que está no ponto mais alto do céu e sinto algumas memórias pairarem nos confins de minha mente. Aperto meus olhos e coloco as mãos na cabeça; meu semblante está mudado, meu olhar afiado como uma lâmina e um sorriso enraivecido provoca o rangido de meus dentes. Aos poucos, forçados e sarcásticos risos se misturam às fileiras de lágrimas que descem por minha face e vão ao encontro das águas. Encaro minhas mãos e por um instante sinto o poder que corre pelo meu corpo, os feitos que já alcancei conseguem tampar superficialmente o vazio de minha alma, me fazendo dizer para mim mesmo em plenos pulmões, após olhar para baixo e conseguir enxergar meu reflexo na água do mar:

— Eu sou o assassino enviado pelo santuário, aquele que entrega sua alma e sua devoção ao recipiente que se apresentar como a Justiça capaz de comandar o mundo. Meus sentimentos? Já não me importa mais, tudo o que me importava se foi e não devemos nos apegar às coisas vãs, passageiras e inúteis como a vida na qual está fadada a caminhar até a morte, a inevitável morte. À ela devemos seguir, por ela devemos esperar e nos afeiçoar! Que se faça a justiça imparcial através de minha eterna punição, é por isso que todos me chamam de Máscara da Morte, HAHAHAHAHA!

"Há pessoas que se emocionam e choram enquanto por dentro riem, enquanto há outras que riem enquanto por dentro desmoronam em desgraça. Por mais que estas gargalhadas ecoem, este é o eu que criei desde aqueles tempos passados que até hoje vivem e se entrelaçam com o presente. Esta não é a história de alguém que se superou ou teve um final feliz. A carapaça de meu coração é a capa de mais um insignificante livro em meio à tantos outros. Não há moral, reflexão ou muito menos uma conclusão nesta longa história... "

Por Baixo da CascaWhere stories live. Discover now