Finalmente chegava a hora de retirar a tampa daquela urna dourada. Desci a mesma ao chão, sentando de pernas cruzadas e esfregando as mãos uma na outra. Coloquei ambas sobre a tampa da caixa e puxei para cima com toda a força; não se moveu um centímetro sequer. Tentei empurrar para todos os lados, até mesmo soquei a caixa. Quando todos foram dormir, fui para a praia como de costume e tentei arrancar a tampa por horas, chegando a conclusão de que apenas concluindo o treinamento incessante daquele pergaminho secular.
— Tá bom, Hakurei, já entendi!
Resmunguei olhando para o pergaminho e bufando. O terceiro e penúltimo parágrafo dizia: "Eis que estamos no prelúdio da formação do detentor da armadura de cancer. O primeiro passo para a compreensão destes versículos se baseia em levantar os olhos e observar com atenção a constelação de cancer, ou o presépio. O aglomerado de pequenas estrelas localizado no centro da constelação, foi denominado pelos antigos chineses como "Sekishiki", o local por onde as almas recém desencarnadas passam para a morte.
— Sim, eu consigo ver... São vários pontinhos lado a lado, mas consigo ver... Espera!
Naquele momento me lembrei de quando fui vestido pela armadura e "caí" de volta na terra. A visão que tive logo de cara foi esse lugar... "Então foi lá que eu estive!", pensei.
— Continuando...
Continuei a ler aquelas letras traçadas no papel, as quais brilhavam sob a luz das estrelas. "O cavaleiro de cancer é também um guardião do Sekishiki. Ao vestir a armadura, é permitido ao Cavaleiro mover seu corpo e sua alma ao presépio, podendo interagir diretamente com o lugar. Sekishiki é o local onde os guardiões de cancer são munidos de inúmeras possibilidades, dando pouquíssimas chances aos inimigos que para lá são levados."
Finalmente havia compreendido. O lugar onde estive era conhecido pelos chineses como "Sekishiki, a passagem situada na constelação de cancer por onde as almas se dirigiam ao "Yomotsu Hirasaka", o buraco onde caíam e as levava ao mundo dos mortos para receberem sua sentença final. Era o dever do cavaleiro de cancer controlar, guiar e até mesmo julgar as almas de seus inimigos, tendo o poder de enviá-las ao Sekishiki através do golpe característico dos cavaleiros de cancer, que é executado ao apontar seu dedo indicador para o Sekishiki, ou presépio e enviar a alma dos injustos para lá, finalizando seu ciclo de vida e os enviando para seu julgamento.— Isso é perfeito, é desse golpe que eu preciso. Muito bem mãe, irmãos... Está chegando a hora!
O terceiro parágrafo era chato. Não possuía lições de luta, ou treinos, nem nada do tipo; somente uma leitura que parecia não ter fim. Era totalmente explicativo, porém longo e complexo. Queria decifrar todo aquele pergaminho antes do meu aniversário de dez anos, que estava bem próximo. Agora, ao ler a carta de minha mãe novamente, seu sonho fazia sentido. Desde o ventre ela viu que eu me tornaria um cavaleiro. Agora seu espírito vivia naquela caixa dourada tão bela, e as almas inocentes de meus irmãos viviam em mim. Após um breve descanso depois de estudar sobre o Sekishiki e suas propriedades, pensei: "E se eu pudesse unir a forma do meu cosmo aos poderes desse lugar?", pois bem, era exatamente disso que se tratava o quarto e último parágrafo.
"Devo parabenizar o cavaleiro que conseguiu chegar aqui. Este é o último passo para a obtenção da armadura. Após conhecer o cosmo residente em tudo, aprender a moldá-lo com base em si mesmo e aprender sobre místico Sekishiki, acredito que você seja maduro o bastante para chegar a última parte, mas não pense que será a mais fácil, muito pelo contrário. Para se tornar o cavaleiro dourado da quarta casa, deverá maximizar e combinar toda a teoria e prática aprendidas anteriormente."
— Haha! Vendo por outro lado, este velho tinha sim previsão do futuro, pois ele adora me avacalhar! Pena que ele não sabia, que por mais preguiçoso e arrogante que eu seja, quando eu quero algo, eu consigo!
"Este treinamento me fez vencer a preguiça e ganhar ainda mais criatividade, obrigado, Hakurei.", pensei, esboçando um largo sorriso. Almas, já sabia exatamente onde praticar meu último treinamento e já tinha em mente como eu queria que fosse meu poder. Meu coração batia de ansiedade e satisfação por poder fazer aquilo, finalmente algumas coisas seriam corrigidas. Parei, soltei o ar pela boca e empurrei o portão com as duas mãos, contemplando o lugar e dizendo com o sorriso maquiavélico de uma criança fazendo cobaias com formigas:
— Olá... Cemitério! Hahahahaha
No pergaminho dizia que eu deveria procurar um lugar para invocar as almas do mundo dos mortos através do meu cosmo. Haveria lugar melhor que o cemitério? "Sou um gênio!", pensei.
"Você deverá se sentar. Se os treinos anteriores foram movimentados, este será totalmente o oposto. Deverá se sentar e relaxar tanto seu corpo quanto sua alma. Agora que sabe onde fica o Sekishiki, mantenha seu olhar fixo no aglomerado de estrelas. Deixe com que seu cosmo se interligue as alma, e que elas fluam em seu corpo."— Não parece difícil, só preciso manter a calma...
Subi no telhado da capela e me sentei. Olhei fixamente para a constelação de cancer e deixei meu cosmo fluir, tentando fazer um "intercâmbio" entre minha alma e as do local. E assim se passaram dias sem que nada acontecesse. Durante as manhãs e tardes realizava meus afazeres. À noite, seguia para o cemitério. Depois de um tempo comecei a me sentir um idiota fazendo aquilo naquele lugar.
— Talvez eu esteja fazendo errado... Aqui não é o lugar onde ficam as almas e sim os corpos vazios! Droga! Por que meu entusiasmo tem que durar pouco?!
Faltavam poucos meses para meu aniversário de dez anos e o tempo era corrido e valioso para mim. Continuei lá sentado em uma última tentativa, mas aparentemente nada ocorreu.
Para muitos seria loucura passar a noite em um lugar como esse, mas para mim, foi lucro. Naquele dia algo me disse para não voltar para casa, e foi na mosca! Uma senhora vinha acompanhada de uma moça, provavelmente sua filha. Saí por trás da capela e me escondi rapidamente. Ambas se ajoelharam em frente à um dos túmulos, com as mãos unidas. A senhora então começou a balbuciar:
— Pois é, Giovanni, já faz tanto tempo que você se foi... Vim dizer que todos os dias sinto sua presença. Nossa filha está cada vez mais bonita e seguindo seus passos... Lembro de quando éramos os três, felizes juntos, e agora só nos resta a saudade.
Notei que uma pequena luz branca aparecia e ficava sobre o túmulo. "Que coisa estranha!", pensei. Eu nunca tinha visto algo assim. Logo me veio na cabeça. Aquela era a alma do homem que estava enterrado naquele lugar! O treinamento não me fez virar um invocador de almas e sim aprender a enxergá-las. Me restava uma única questão: "como convocá-las"?
Demorei um pouco para perceber que os sentimentos da senhora e de sua filha traziam de volta a alma de seu ente querido. Por um instante, fechei os olhos com um sorriso e lembrei com carinho dos meus irmãos. Ao abrir os olhos, lá estavam suas almas ao meu redor. Tudo naquele treino envolvia emoções e sentimentos. Olhei para as alminhas que dançavam ao meu redor, saindo de trás da capela, correndo, dizendo para a senhora que pareceu nada entender:
— Obrigado humilde velhinha, a senhora acaba de ajudar meu treinamento!
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Por Baixo da Casca
Fanfiction(História em frequente revisão. Pequenas alterações podem ser feitas até que sua versão definitiva esteja pronta.) "Assim como o caranguejo esconde sua carne, o coração de um canceriano é uma carapaça que pode ocultar segredos." Muitos tentaram comp...