A Imagem do Ódio

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      "Matou... Matou... Matou... Ele a matou." Tais palavras não paravam de ecoar de todas as formas possíveis e imagináveis em minha mente. Começo a derramar lágrimas desesperadamente e tento sair da carroça, mas sou segurado e colocado de volta. Grito e peço para sair, já dentro da cidade, as pessoas vêem minha reação. Aquelas roupas estranhas, todos aqueles sobrados e pessoas para lá e para cá, lojas, mercados, casinhas uma ao lado da outra, parecia que eu havia morrido e entrado em um novo mundo. Seguia pela avenida principal, onde podia contemplar máquinas imensas movidas à quatro rodas, onde as pessoas guiavam livremente pelas ruas que por sinal não eram de barro com as da fazenda. Segui até uma parte sombria e isolada, que desembocava mar, era repleta de caixas de madeira, barcos ao fundo e pessoas estranhas vestidas de preto. Ao chegar lá, vários homens cercaram a carroça. Meu avô apenas cochichou:

  — Não faça nada, não fale nada. Esses homens não sentem amor nem pela própria mãe. Apenas me dê a mão e faça o que eles mandarem, ouviu bem?

      Um segundo após ele terminar de falar, não tive sequer tempo para responder. Fomos cercados por aqueles sujeitos de aparência sinistra que nos apertavam em todos os pontos, perguntando se estávamos armados. Tentei revidar por um instante, mas meu avô apertou de leve minha mão como um sinal de que eu não deveria. Por fim, tive de aguentar toda aquela revista desnecessária e controlar o nojo que eu tinha das mãos daqueles homens em meu corpo. De repente, encostaram seus instrumentos cilíndricos em nossas costas, obrigando-nos a andar, aquilo me lembrava dos bois quando eram conduzidos para o abate, até porque aqueles canos lembravam muito as espingardas, porém estes mesmos possuíam grandes rodas em sua base, carregadas de munição.

  — Ora, ora ora. Se não são meu querido filho, meu honrado sogro e o miserável que ousou me trair, ou melhor dizendo, ex miserável!

      Aquela voz medonha saiu da porta que se abria ao fim do beco. Dela ouvia-se um estampido que atingiu em cheio a cabeça de Aurelio, fazendo com que este caísse sem vida imediatamente. Como um animal abatido, o mesmo fora arrastado pelos braços e pernas, por dois daqueles homens que pareciam tratar com naturalidade aquele tipo de situação. Engoli o choro de desespero e a raiva que sentia, voltando a olhar para frente, segurando firme na mão de meu avô que por sua vez estava gelada e suando muito frio. Avistei aquela figura demoníaca cruzar a porta. Meu avô fechou os olhos e abaixou a cabeça imediatamente ao vê-lo. Era um homem assombroso, de expressão sádica e olhar vazio; vestia um belíssimo terno azul riscado, combinado com uma calça do mesmo estilo. Possuía muitos adornos de ouro maciço, tais como relógios, pulseiras, os pequenos brincos de argola em suas orelhas. Ajeitou com as mãos sua gravata borboleta vermelha, aproximou-se de mim e se ajoelhou à minha frente. Fiz de tudo para não olhá-lo nos olhos, mas aquelas mãos envoltas em luvas brancas tomaram meu rosto, colocando-me cara a cara com sua face maligna.

      Era pavoroso, começava a transpirar devido ao nervoso que sentia em olhar tão de perto para o semblante orgulhoso e cínico daquele homem cujos cabelos grisalhos eram armados e despenteados, o bigode também grisalho parecia uma taturana grudada debaixo de suas narinas e as sobrancelhas da mesma cor aparentavam ser uma só, de tão juntas e grossas, além disso, um bafo de cobra que fazia-me sentir náuseas. Após um tempo me olhando de cima a baixo, se levantou e virou as costas, dizendo em um tom seco e arrogante:

  — Você fez um bom trabalho, Padrinho Giuseppe. Criou um menino saudável e realmente formidável, não tenho dúvidas de que é meu. Pode pegar seus cavalos e retornar à sua moradia... Você, meu filho, agora irá morar comigo.

      Senti um gelo na espinha e um imenso desespero ao ouvir aquilo. Lágrimas então começaram a rolar pelos olhos de meu avô, que era conduzido pelos homens até a saída do beco. Me mantive estático com a cabeça baixa, começando a bater o pé com força no chão e gritar de forma protestante:

  — Não! Você disse que queria apenas me conhecer! Eu aceitei tudo, mas não vou aceitar isso, eu vou embora com meu avô! Eu jamais seria filho de um homem tão nojento e covarde como você, seu assassino! Você matou o Aurelio, matou a minha mãe!

      Naquele instante, meu avô olhou para trás com os olhos arregalados, mas não pôde ficar muito tempo, pois foi empurrado brutalmente pelos capangas de meu pai, que começou a gargalhar, ainda de costas para mim, gesticulando de forma convencida e cheia de si, respondendo:

  — Nota-se que sabe de tudo, Pietro! Mas isso é ótimo, assim não terei de perder tanto tempo te explicando coisas que já passaram. Veja pelo lado bom, você vai ter das mais belas mulheres, comer nos mais renomados restaurantes, ir às mais luxuosas festas, e se for um bom menino, assumir o poder de meus homens, meus negócios, enfim, da máfia! Você certamente não precisa de...

      Infelizmente acabei ouvindo metade do que aquele verme infeliz havia dito, inclusive o nome que ele me dera. Sei que a partir dali, eu havia iniciado um desafio contra aquele perigoso e sanguinário homem, mas eu não aguentaria viver daquela forma. Fugi sorrateiramente por entre os grandes caixotes e consegui escapar do beco. Corri mais ainda pela avenida, gritando desesperadamente por meu avô, cuja carroça já havia partido. Este diminuiu a velocidade, me puxando para cima e me sacudindo com certa força, me dando uma bela bronca, mas logo me abraçando e partindo com os cavalos à toda velocidade. Olhei para trás e senti um aperto no coração, sabia que aquilo não acabaria assim... Em seu covil, meu pai assinava com sua maldade uma carta. Uma carta para a morte.

  — Vejo que esperei em vão. Meu filho agora tem ódio e nojo de meu nome, não me resta outra alternativa a não ser tentar outro menino saudável antes que meu corpo fique mais velho. Benedetto! Junte alguns homens armados. Quero que vá a fazenda e mostre à todos o que acontece com quem ousa me desafiar!






Por Baixo da CascaWhere stories live. Discover now