Câncer

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      "De quem era aquela voz?" Pensei. Um calor tão materno e acolhedor, mas ao mesmo tempo em que me fazia sentir calafrios. Observei um a um, meus irmãos e meu avô despencarem naquele precipício cujo fim parecia não existir. Virei para trás e me deparei com aquela forte luz dourada que dava forma a uma silhueta a mim familiar, espere! Parecia a moça do retrato que meu avô sempre olhava, a minha mãe! Arregalei meus olhos e não consegui controlar minha ansiedade, desejando enchê-la de perguntas, mas ao mesmo tempo tendo tanto a contar. Limitei-me à uma reles pergunta inicial:

  — É você, mamãe?

      Mesmo com tanto a dizer, não fui capaz de balbuciar mais do que isso. A aura tomou uma forma mais suave, como se estivesse sorrindo. Esta estendeu sua mão direita, tocando meu rosto; aquela sensação era sublime e confortante, diante de tudo aquilo que eu havia passado naquele dia. "Então é isso? Este é meu fim? Não podia ser mais doce..." Pensei, fechando os olhos e me entregando ao que eu achava ser a morte, mas que na verdade era apenas o novo começo de minha vida. A voz então respondeu:

  — Ouça meu pequeno, você foi muito corajoso e sua vida não irá acabar aqui. De agora em diante eu irei te proteger e te auxiliar em cada batalha que transcorrer em sua existência, eu serei sua companheira, sua espada, seu escudo, sua continuação, enfim... Serei sua armadura. A justiça escolheu seu coração puro e corajoso para proteger este mundo, você agora é o guardião e filho da quarta casa zodiacal.

      Quarta casa zodiacal? Armadura? Por um momento lembrei-me da carta de minha mãe, mas por que ela estava dizendo aquilo? Como eu voltaria à vida se aparentemente eu estava entre os mortos? De repente, várias alminhas brancas começaram a me circundar. Estas pareciam brincar ao meu redor, dançando livremente. Curioso, olhei para elas e pus-me a perguntar:

  — O que é tudo isso? O que quer dizer com isso, mamãe? Quem são essas alminhas graciosas ao meu redor? Ainda tem muita coisa que quero lhe perguntar. Aquele a quem infelizmente devo chamar de pai ordenou que matassem meu avô e meus irmãos. Meu único propósito agora é fazer justiça por todos que ele matou, depois disso, não me importo de voltar para cá!

      Em meio a minha determinação, apenas ouvi a doce risada de minha mãe. Aquelas almas uniram-se à luz que se transformou em um imenso e detalhado caranguejo de ouro que sem delongas respondeu de maneira resolutiva:

  — De agora em diante, as almas de seus irmãos irão lhe proteger e auxiliar em suas batalhas. Esta armadura irá lhe vestir e representará seu desejo de proteger o mundo do mal. Enquanto houver justiça em seu coração, ela estará com você. A partir de hoje, lembre-se disso, quando estiver pronto e realmente necessitado, chame por mim. Agora volte para o seu mundo. Jamais abaixe a cabeça para o mal, levante-se e grite: Câncer!

      Peça por peça o caranguejo desmontou-se e começou a vestir meu corpo. Senti aquela energia dourada que fluía de dentro para fora, me dando a sensação de ser tão poderoso quanto uma constelação. As almas uma a uma formaram um vórtice ao meu redor, fazendo-me sentir meu corpo ser puxado, e logo desmaiar. Não me lembro de mais nada após isso; abri um olho de cada vez, estava em movimento por uma estrada bastante esburacada. Vozes desconhecidas então exclamavam:

  — Vejam, ele acordou! O menino da caixa de ouro acordou!

      Caixa de ouro? Vejam? Onde será que eu estava? Teria sido eu raptado novamente pelo meu pai? Não... Aquela era a voz de uma menina, seguida de afirmações de uma mulher:

  — Olá garotinho, tudo bem com você? Achamos você caído na estrada enquanto seguíamos de carro pela manhã. Vimos a palavra "Sicília" em sua mala, também estamos indo para lá!

      Levantei a cabeça e olhei ao redor. A menina no banco de trás apoiava minha nuca em seu colo, e a mulher no banco da frente ao lado de um homem de boa aparência que dirigia o carro falava comigo. De repente pisquei duas vezes e lembrei-me do que havia passado na noite anterior. Antes que eu dissesse algo, o homem sentado ao volante disse:

— Não se mexa muito, você está com uma bala que acertou suas costas. Bianca teve trabalho para estancar seu sangue, a propósito, bonita urna dourada que carrega. Deixe-me adivinhar, ladrões tentavam-na roubar de você? Tinham muitos carros e policiais ao redor de uma fazenda próxima de onde te encontramos, você era de lá?

      Fui interpelado de todas as formas possíveis por aquele casal curioso, porém, que parecia não ter más intenções. Porém, devido à fraqueza, conseguia apenas responder sim e não com a cabeça. "Espera aí, urna dourada?", pensei. Arregalei os olhos e lembrei-me da visão de minha mãe e do caranguejo. Ao olhar para o porta malas do carro, deparei-me com aquela imensa e brilhante caixa, esculpida com os mais belos detalhes e tendo em sua lateral um caranguejo com uma palavra em baixo, cujo idioma parecia grego.
      Aquela caixa estranha parecia ter uma forte ligação comigo. Ao mesmo tempo em que a presença daquelas pessoas me olhando fixamente me incomodava um pouco. Embora eu me sentisse totalmente seguro naquele carro, a viagem iria ser longa e com pouquíssimas paradas. A primeira delas foi em um lugar bastante deserto. Demoraram um pouco para voltar, mas em compensação me trouxeram um delicioso e cremoso chocolate quente acompanhado de um saco cheio de biscoitos salgados. Comi com o auxilio de Bianca, a menina que me agüentou no colo e cuidou de meu sangramento durante todo aquele tempo. Ela me olhava de forma doce e gentil enquanto me alimentava. Conversei bastante com ela a medida que o veículo seguia pelas sinuosas estradas rumo ao Sul. Todos riam e se entrosavam comigo, causando-me uma leve sensação de família.

Por Baixo da CascaWhere stories live. Discover now