O Corvo na Floresta

651 32 10
                                    

Regra número 1 da Floresta: nunca vá sozinho.

Alice acordou de madrugada, pela terceira vez seguida. Chateada por saber que no outro dia estaria cansada e com olheiras, levantou e foi respirar na janela.

Acima das árvores pontiagudas, o céu escuro reinava absoluto. O ar gelado até deu mais soninho. Talvez se tivesse feito isso nos outros dias a ajudasse a dormir. Voltou a se enrolar nas cobertas. Esqueceu a janela aberta...

Já estava quase se entregando ao mundo dos sonhos...

A janela aberta...

O vento gelou mais e mais. Parecia que ia nevar! Aborrecida, levantou mais uma vez. Mas parou. Um corvo a observava, parado, no batente da janela.

Olhos nos olhos.

Silêncio.

O corvo voou.

Alice fechou a janela e voltou para a cama, um tanto desconfortável.

...

Noite sem sonhos, pelo menos sem olheiras também. Pegou o vestido que usava normalmente para a feira e saiu com sua cesta de nozes. Seu pai já deveria ter montado a barraquinha de salmão e a irmã deveria estar chegando com marido em breve. Era bom assim, barraquinhas de família todas juntas na feira. Um ajudando o outro.

- Sabe, pai, acho que eu deveria escolher outra coisa para vender. As pessoas querem algo mais além de nozes. - a carinha de Alice, apenas uma moça de 13 anos, preocupada com dinheiro, cortava o coração do pai.

- Pensaremos nisso para a próxima feira, está bem?

Ela deu de ombros.

A feira ia ficando cada vez mais escassa conforme o inverno ia chegando. Muitos vinham de longe, e com a neve subindo, as estradas se fechavam. Logo a neve chegaria por lá também. E aí teriam que viver de peixe e alguma coisa que achassem por ali.

- Senhorita, bom dia! - um rapaz de longos cabelos negros, usando uma roupa cara, parou em sua frente e fuçou a cesta - Essas são todas as suas nozes?

Alice deveria ter ficado feliz, afinal, ele parecia ter dinheiro e querer levar todas as nozes. Deveria, não deveria? O olhar dele... O que tinha ali? Ele parecia ter algum problema nos olhos, pois eram estranhos... pareciam olhar para o alto, não para ela...

- Mocinha?

Parou de olha-lo e respondeu de uma vez. Sim, aquelas eram todas.

- Então as levarei. Adoro bolo de nozes.

Pegou as moedas e socou no avental. Agradeceu e veio correndo para o pai. Não viu o rapaz de olhos estranhos ir embora.

- Vendi tudo, papai... para aquele cara estranho.

O pai levantou a sobrancelha.

- Não vi nada estranho, filha.

Ela só fez uma careta.

- Então, mocinha, acho que pode voltar para casa e ir arrumando o nosso almoço, que tal? - deu uma piscadinha.

Foi isso mesmo que ela fez. Pegou a cesta vazia e voltou cantarolando.

Passou pela Lagoinha. Entrou na Trilha da Raposa e depois seguiu reto na Colina Silvestre. Ao final estaria sua casinha. E atrás a Floresta de Pinheiros. Sentia-se estranhamente livre fazendo esse caminho.

No último trecho, onde começavam alguns pequenos pinheiros misturados com pequenos arbustos, havia uma grande pedra. Depois dessa pedra, mais uns 5 metros, estava a casa. Alice estava quase chegando nesta parte. O corvo veio devagarinho e pousou sobre a pedra. Encarando-a.

GrimórioOnde as histórias ganham vida. Descobre agora