Sinais

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Começou com um sonho.

Uma mulher invadia meu palácio, que parecia uma pirâmide dourada, e eu precisava me esconder. Não havia para onde correr. Lá fora, somente rochedos e o precipício para o mar cruel, na tempestade mais feroz que já vi.

Mas essa mulher não era alguém comum. Usava uma máscara de ouro e vinha rindo, flutuando, aterrorizando-me. Vinha devagar, pois tinha consciência de que não havia para onde eu ir.

Entrei numa sala onde havia um imenso sarcófago de faraó. Ornamental, ainda assim, um sarcófago monumental. Respirei fundo, achei um jeito de me esconder dentro dele. Eu tremia, mas algo em minha mente me mandava observar ao meu redor. E lá estava: uma saída secreta.

Sei que ouvia, logo depois de minha fuga, a mulher desesperada, gritando. Xingando seus servos. Como me deixaram escapar? Achavam que eu tinha pulado no mar.

Respirei fundo, acordei.

Sem alívio. Bruxa não sonha à toa. E se lembra de tudo, pior ainda. Ah sim, eu raramente lembro de meus sonhos...

Passou mais um dia com acontecimentos estranhos. Coisas caindo, quebrando.

Dormi. Outro sonho.

Eu fugia de um menino que voava estranhamente. Um sentimento de: eu preciso correr e avisar algumas pessoas! Tenho certeza que fiz uma longa viagem astral até o espírito deste amigo, contudo, ele estava sem condição de me ouvir.

Orientei-o a ao menos ficar atento, enquanto uma senhora surgia detrás dele. Com tochas e um capuz. Emanava confiança e tranquilidade, mesmo com aquelas mãos enrugadas e trêmulas. Senti gratidão, ainda que uma leve irritação, em relação a ele. Então, um caminho negro surgiu...

Corri e corri. Com uma das tochas da velha senhora. A luz ia abrindo e iluminando o caminho pavoroso. Espinhos vinham das paredes sombrias, mas eu – estranhamente – sabia esquivar. Sabia quando viriam. Sabia por onde caminhar.

Preocupada em não se pega, e com a condição de meu amigo, eu só pensava em chegar em casa. E para minha surpresa, quando chegava, a cada porta que eu abria, uma nova surgia em seu lugar. Queimei tudo com a tocha da senhora... e lá estava o meu lar.

...

Acordei, dolorida.

Vida de bruxa é vida corrida. Alguma coisa eu precisava planejar.

...

Fui ao mar. Sentei... comecei a falar.

"Lua, senhora brilhante, reveladora de toda verdade, mostra-me nas águas... O que preciso saber?"

As ondas passaram a se formar com mais intensidade...me molhando mais do que eu planejava. Olhei atentamente para as águas...A forma da lua, que era crescente, parecia um cadeado.

Proteção?

...Ora, eram apenas sonhos, sem relação entre si.

Mais uma vez, meu ceticismo ganhou.

Estava cansada do trabalho. Tanta coisa a ser feita. Quase nenhuma gratidão. Sem novidades. Uma energia pesada sobre o peito. Eu não era daquele jeito...

...

Energia estranha em casa. Coisas quebrando. Amigos brigando. Coisas sem nexo, um sentimento complexo...

...

Vida de bruxa é assim.

Tem que batalhar, uma batalha sem fim.

...

Uma canseira, sem vontade mesmo de fazer os feitiços. Eu gostava tanto, mas há tanto perdi o jeito. Será mesmo? Ou será que alguma coisa me segurava? Me travava?

Uma leve paranóia.

Sem força para se defender, mas defender do quê?

Antes de deitar, pedi um sinal. Era só preguiça e cansaço da vida ou algo mais?

...

Mal fechei os olhos, e as imagens vieram correndo. Um Olho sobre o nada. Um nevoeiro escuro, vozes por todo lado.

Eu gritava: quem é você?

Mãos de fumaça me removiam tudo que eu tinha. O Olho se reviravam de prazer. Eu caía, cansada, cedendo.

Eu era uma, e ali havia um batalhão. Aquela guerra estava perdida....

Ou não?

Mesmo dentro do sonho, eu lembrei de outros sonhos! A Mulher de máscara que me seguia... e eu achava um caminho escondido dentro de um sarcófago... O menino que flutuava, sinistro, me perseguindo... e eu achava o caminho, que foi aberto e iluminado pela senhora de tochas...

Meus deuses sempre me davam uma saída quando eu não sabia me defender. Estavam dizendo isso faz tempo. A ação precisa vir de mim, chega de fugir!

Concentrei-me. Eu precisava acordar e lembrar!

E assim foi feito!

Levantei exausta e tonta. Lavei o rosto e tomei um banho de ervas. Não podia mais ceder.

Corri para meu altar, meu templo sagrado, e imediatamente fiz meus banimentos contra invejosos. Aquele Olho no sonho só poderia ser isso. Pessoas de olho, olhos grandes em mim, tentando puxar-me todas as energias. Xô!

Protegi-me contra toda invasão. Contra toda perseguição. Minha vida, meu trabalho, meu amor, meu lazer. Eu preciso proteger!

E por fim, agradeci. Pedi perdão por me deixar ceder. Quando somos sugados, uma energia estranha nos abate. É comum que comecemos a descrer...

Entreguei toda energia na mãos de meus deuses... que transformassem, transmutassem... e eu pudesse voltar a viver.

Minha espinha arrepiou-se inteira, e até a postura corrigiu.

Notei que meus olhos andavam caídos quando eles se arregalaram, energéticos. Estava feito.

Infelizmente, de tempos em tempos, ajudando aqui e ali, passando por tantas pessoas, somos alvos de tantas coisas que nem sabemos...Talvez, muitos nem façam por mal, ou nem saibam que nos causam mal...

Como é bom relembrar quem somos.

Livre. Sem influências negativas.

Deixo aqui escrito, para nunca mais esquecer.

GrimórioOnde as histórias ganham vida. Descobre agora