Intuição

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Não era verão ainda, mas o auge da primavera já tinha ido embora faz tempo...

As duas meninas pediram os pais apenas o suficiente para fazer um bom piquenique. Que mal há? Nem iriam longe. Certamente ficariam debaixo dos arbustos de azaleia no jardim.

Após organizar tudo em cima da toalha xadrezada, colocaram as bonecas sentadas encostada na grande raíz da árvore.

Serviram chá, falando sobre as lições da escola. Caramba, será que teriam que ficar dias extras para compensar alguma nota baixa? Nah...

Passaram o pãozinho. Hum! Pão com geleia! E depois maçã, mais um pouco de chá e ...

Ufa! Deixaram a comilança de lado. Brincaram com as bonecas. Como seria crescer?

Riram das bobagens que diziam uma à outra.

Será que está tudo bem se deitarmos aqui e tirar um cochilo?

A brisa gostava estava muito, muito boa...

...

Acordaram, assim, num susto! Estava escurecendo! O vento ainda não estava gelado, mas o céu... estava estranho. As duas sentiam aquele peso no coração. Cadê a mamãe?

Afinal, estavam apenas no jardim... Ana levantou primeiro, dando a mão para a irmã. Sentia as pernas bambearem.

Eu não sei, mas algo não está certo....

Deixaram tudo no chão, deram as mãos e caminharam devagar até a casa.

A casa não parece... escura?

Elas se olharam e sentiram o mesmo arrepio. Ao mesmo tempo.

Você também sente isso?

Sinto sim...

Um choro sem explicação, subiu. Os olhos marejaram. Vinha cheio de mágoa. Mas, de quê? Ficaram ali, por alguns minutos, encarando a janela aberta, sem uma luz acesa lá dentro. Mamãe não deixaria as luzes apagadas, está escurecendo.

Ana, você sente que é para ficar longe?

Sim...é estranho, porque é nossa casa. Nossa casa.... Mas vamos ficar longe?

Vamos... vamos voltar ao piquenique. Mamãe ou papai devem vir nos buscar, nem que seja dando bronca, para irmos jantar.

Não conseguiam mais apenas sentar e comer uma bolachinha. O corpo gritava para que saíssem dali. O céu parecia pesar sobre suas cabeças. O por-do-Sol avermelhado, misturado ao azul marinho, normalmente seria uma obra de arte... e hoje era só terrível.

Sabe quando a mamãe e o papai discutem e nos mandam ficar no quarto?

As duas só não sabiam explicar o sentimento. Intuição aguçada. Crianças tem disso. Se enfiaram entre os arbustos e choraram, sem entender. Sem poder consolar uma a outra.

O céu foi ficando mais e mais escuro. Estrelas surgiram, como o sorriso de uma senhora gentil. Nenhuma luz foi acesa em casa. Ninguém fechou a janela. Mas a porta... a porta abriu! Um homem, que nunca viram, saiu de lá, resmungando, olhando para os lados.

Taparam a boca, olhos arregalados.

Aquele homem exalava terror. E somente depois que ele saiu, batendo a porta com força, é que as meninas retornaram. Uma mistura de alívio com pavor.

Ao abrirem a porta...mamãe e papai estavam no chão, amarrados, machucados. Chorando silenciosamente. Ao verem as duas pequenas, começaram a se debater, mandando-as correrem. O homem mau estava atrás delas.

Ana paralisou por alguns segundos, mas a irmã, Marie, pegou o celular rapidinho. Voltou a segurar a mão da irmã e correu. Era difícil entender o que estava acontecendo. Quem era aquele cara?

E como que a gente usa o celular para ligar?

Na verdade, não foi tão difícil assim. Só precisaram lembrar dos pais ligando para a pizzaria. Só que... agora a pizzaria não ajudaria. Não é? Como que liga para a polícia? Talvez o cara da pizza ajudasse?

Oi... meu nome é Marie. Meus pais sempre pedem pizza daqui. Eu queria uma ajuda.

De onde você é, menina?

Aqui do final da rua, a casa com jardim e árvores.

Sei sim. O que foi?

Um cara entrou em casa e machucou meus pais. Não sei quem ele é.

Ela ouviu, imediatamente, a pessoa do outro lado ligar para a polícia. Agora era esperar.

Esperar...

Só que se o homem pegasse elas, não ia dar tempo de mais nada. Alguma coisa doía muito no coração das duas, só não sabiam o motivo. Bem, se ele fosse ladrão, teria levado os pertences...

Se fosse assassino, os pais não estariam vivos...

Por que ele as queria?

O homem mau voltava. Com um pedaço de madeira grande na mão. Entrou na casa. Silêncio... E um grito! Ele notou que alguém levou o celular!

Saiu da casa chutando a porta.

Ei meninas, se não voltarem aqui, vou machucar mais ainda seus pais!

Elas quase saíram do meio dos arbustos. Uma botou a mão no ombro da outra:

Ele está mentindo, não está?

Vamos esperar o máximo que pudermos!

O coração acelerava sem trégua. O corpo tremia, ao passo que o nervoso tomava conta da cabecinha delas. Mas o que ele quer da gente?

Nervoso, ele saiu fuçando o jardim. Achou as bonecas. Pisou, com ódio.

Meninas! Eu vou quebrar essas bonecas, ein?

Arrancou os bracinhos, as perninhas, e a cabeça das bonecas. Estragou o restante do piquenique. Estava bem escuro agora. Ele jamais as veria dali.

Largou o pedaço de pau e começou a vasculhar os arbustos com as duas mãos. Elas bem que queriam ir mais para trás ou para outros arbustos... só que faria muito barulho. As folhas certamente as denunciariam...

Então um vento, não... uma correnteza de vento, chegou! Bateu com tanta força nos arbustos que algumas flores até voaram, atrapalhando o homem mau. Aproveitando-se deste momento milagroso, elas se moveram. Segurando as lágrimas, segurando o soluço. Com suas perninhas curtas, se agacharam e se esconderam ainda mais. Dali, não haveria mais rota. Mas... talvez tivessem mais tempo.

Em sincronia, elas se abraçaram. Era como se uma soubesse o que a outra pensava. Era como se soubessem que só precisassem ser fortes por mais uns minutos. Eternos minutos.

Mais uma lufada de vento, jogando areia nos olhos dele. Fazendo-o perder tempo xingando, chamando-as, ameaçando.

Bem, o inevitável aconteceu. Ele enfiou a mão dentro dos arbustos... até tocar a perna de Ana.

Te peguei!

Ela esperneou, de dor e para afasta-lo. Marie mordeu a mão dele com toda força e o chutou.

Venham cá, lindinhas! Venham me dar um oi! Fiquei sabendo que são tão lindinhas!

Uma luz se fez bem no rosto dele, deixando-o assustado. Era o flash do celular. Luz suficiente para alertar a polícia, que já vinha rondando a rua.

Ei, você! Mãos pro alto!

...

Era o novo vizinho. Pedófilo foragido. Preso.

E aquelas meninas jamais se esqueceriam. Por sorte... por sorte existe uma coisa chamada intuição.

GrimórioOnde as histórias ganham vida. Descobre agora