Desde menina, ela gostava tanto de ver o reflexo da lua no lago.
Aquela luz prateada lhe dava vontade de dançar, girar de braços abertos. Vontade de rir e ... bem, ela não sabia como explicar.
Era como se lá, lá no alto, estivesse sua verdadeira morada.
O tempo foi passando.
E com ele, o conhecimento da avó e mãe foram passados. Ainda jovem e cheia de medos e desejos, a moça aprendeu a cuidar de si mesma e de todos ao seu redor.
Se aparecia um cortezinho, de tanto correr nas matas, um pouquinho de arnica daria jeito.
Talvez se bebesse demais, o chá de boldo curaria o fígado.
E naqueles dias que não se tem energia, um banho de flores anima e traz sorrisos!
Ah, como era bom acender uma vela e desejar paz ao coração de alguém... Que aquele que tivesse o coração pesado, fosse consolado.
Só os animais saberiam dizer, quantas e quantas vezes, a moça vinha lhes proteger. Fosse com seus unguentos, fosse com suas preces.
Mas gostoso mesmo era, em dia que a lua ficava cheinha lá no céu estrelado, e o pai fazia fogueira.Fogo alto, com sabor de magia, tão vivo, tão intenso!
Era gostoso...
Agora saudoso.
A moça cresceu. A mãe e a vó perdeu.
O pai estava em casa, na chácara. Em cadeira de rodas.
O trabalho a chamava de dia até a noite, e ainda tinha os estudos. Faculdade, mestrado, doutorado!
Que diria voltaria a ser menina?
Menina que sentia a terra sob os pés.
Que corria livre pelo pasto.
Como sereia, de cabelo solto e selvagem, mergulhava no lago.
Chorava, às vezes, sem saber do poder que tinha em mãos...
Mas você sabe, o que é nato, de coração, nunca é feito em vão.
Naquela noite saiu do trabalho aflita. Aquele sentimento de quando a alma grita. Foi ver o pai. Esperou o jantar, esperou o primeiro ronquinho do velhinho.
"Vou ver o lago, vou dançar na grama!"
E quando pôs a mão na maçaneta... um pensamento veio sussurrando...
"Já é adulta. Em vez de dormir e descansar para amanhã, vai dançar como criança lá no lago? Perdeu o juízo? O que vai ganhar com isso?"
Era sempre assim.
Pensava em reviver aqueles dias dourados, os pensamentos vinham... Desanimando, desestimulando. Mas, bem, havia um ponto: não seria tudo apenas coisa de uma adulta mal resolvida? Sonho de criança? Fantasia?
Ouviu o ronco do pai. Cansado, mas tranquilo. Ele tinha a visão da floresta da janela todo dia. O ar puro e o frescor das árvores. Ela tinha prédios, buzinas, pessoas correndo.
Afastou-se da porta.
Não poderia...E a responsabilidade?
Deu um beijo na testa do pai, foi até o quarto e colocou sua camisola.
As lágrimas queriam pular e inundar tudo. A vida era uma prisão?
Chegou a puxar a coberta para se enfiar e dormir...
Cada vez mais um sentimento de que tudo estava errado.
Céus!
Estava errado!
Já passava de meia noite e teria de acordar 5 e meia! Não tinha tempo! Não tinha condição! É fantasia! É ilusão?
Ah! Meu Deus! Que som é esse?
O coração batia tão forte, tão forte, que o corpo todo tremia.
O que está acontecendo?
Olhou para a janela, que por uma fina brecha passava um ventinho assoviando...
Há quanto tempo não abria a janela?
E foi lá... devagarinho... abrindo como se fosse a Caixa de Pandora.
Voilá!
A lua Cheia brilhava.
Linda, bela, prateada. Majestade, Senhora de Magia.
Como se fosse acertada pela flecha de Cupido, o coração parou de acelerar... e foi ficando sereno. Suave. Feliz.
As lágrimas transbordaram ainda mais, só que desta vez era a alegria de uma filha ao ver a mãe.
Sem resistência alguma, pulou a janela.
Saiu de braços abertos para a lua, rindo, rindo e cantando...
Ah, Bela Mãe...
Ilumina meus caminhos!
E a Senhora iluminava... com tanto carinho!
O lago brilhou numa luz forte que a moça não mais evitou. Correu como menina, dançou e rodopiou. Das águas prateadas bebeu e a magia voltou.
Um ferido coelho apareceu, e sem demora ela socorreu.
Com mãos de fada foi abençoada.
O pequenino animal ficou a observar, com as orelhinhas espertas e os olhos brilhantes.
Era como se uma deusa a tocasse. Como se a natureza se encantasse.
De repente todos aqueles pensamentos não existiam mais. Havia energia e força de sobra. Então ela imaginou...
E se um dia um filho eu tiver?
Deixarei que deixe sua vida correr em volta de um trabalho ou farei com que entenda o valor da vida e o trabalho seja apenas para lhe ajudar a comprar o que precisa?
Sentiu como se uma mão suave segurasse seu queixo e a fizesse olhar para o céu.
A lua brilhou intensamente e ela entendeu o recado.
Sou Filha da Lua, mulher sábia eu sou.
Como vovó dizia, aquela que fugiu da ignorância, que venceu às fogueiras. Sou bruxa de sangue, de alma. Corpo e coração. Sim Senhora, minha Mãe.
Sou maior uma Estrela Cintilante, e trarei brilho ao mundo.
Compreendo e aceito.
Cumprirei meu papel e contigo uma serei.
E que de leste a oeste, assim como o Sol sempre nasce, que todos saibam de seu poder.
A moça nunca mais abandonou o sentimento maravilhoso e inexplicável. Foi ao trabalho sim, e nunca mais o cansaço a abateu. Senhoras e senhores ouviram seu segredo e tantos foram os que descobriram a Lua, o Sol e as Estrelas. Aprenderam sobre o fogo, a terra, o ar e o mar. Sentiram a alma da natureza e dos animais. E a ouviram, não porque ela sabia mais, mas porque ela se dispôs a mostrar o Caminho.
A Lua do Alto a guiava, e ela, na terra, a menina moça, guiava o povo de bom coração, ensinando e superando qualquer mal.
Enfim, nascia uma sacerdotisa.
E que brilhe e brilhe, como toda estrela deve ser...

YOU ARE READING
Grimório
FantasyUm livro que conta histórias de bruxas. Algumas reais, algumas criadas pelo imaginário daqueles que não as conhecia... e umas histórias que ninguém sabe afirmar, mas dizem que quem já sentiu o poder de uma bruxa certamente as reconhecerá... Cada con...