A casa sobre o Oceano

375 47 58
                                    

Uma mulher pode encontrar um destroço e tentar transformá-lo em um homem são. Às vezes ela consegue. Uma mulher pode encontrar um homem são e tentar transformá-lo em um destroço. Ela sempre consegue.
— Cesare Pavese

Abra a porta, Harry!

O grito se perdeu no vento e ficou sem resposta.

— Harry! Sou eu, Liam. Eu sei que você está em casa! Saia da toca, coragem!


MALIBU
CONDADO DE LOS ANGELES, CALIFÓRNIA
UMA CASA NA PRAIA

Fazia mais de cinco minutos que Liam Payne batia insistentemente nas venezianas de madeira que davam para a varanda da casa de seu melhor amigo.

— Harry! Abra ou vou arrombar a porta! Você sabe que sou capaz!

De camisa acinturada, terno bem cortado e óculos escuros no nariz, Liam tinha a expressão de que não estava nos seus melhores dias.

No início, pensará que o tempo curaria as mágoas de Harry, mas, longe de se dissipar, a crise que o amigo atravessava só fizera piorar. Nos últimos seis meses, o escritor não pusera os pés para fora de casa, preferindo recolher-se à sua prisão dourada e ignorar tanto o toque do celular quanto o interfone.

— Vou repetir mais uma vez, Harry: me deixe entrar!

Todas as noites, Liam vinha bater à porta da luxuosa residência, mas só obtinha como resposta as reclamações dos vizinhos e a fatal intervenção da segurança, que zelava pela tranquilidade dos riquíssimos moradores de Malibu Colony.

Agora, porém, não dava mais para dar uma de bonzinho: tinha de agir antes que fosse tarde demais.

— Pois bem, foi você quem pediu! — ameaçou, tirando o paletó e pegando o pé de cabra de titânio que Niall, amigo de infância dos dois e hoje detetive da polícia de Los Angeles, lhe arranjará.

Liam olhou para trás. A praia de areia fina cochilava sob o sol dourado daquele início de outono. Espremidas como sardinhas, as luxuosas mansões enfileiravam-se de frente para o mar, unidas pelo mesmo anseio de impedir o acesso de intrusos à praia. Muitos homens de negócios e estrelas da mídia e do entertainment haviam elegido o local como domicílio. Sem falar dos astros de cinema: Tom Hanks, Sean Penn, Leonardo DiCaprio, Jennifer Aniston, todos tinham casa ali.

Com a vista ofuscada pela luminosidade, Liam franziu os olhos. A uns cinquenta metros dali, posicionando em frente a uma guarita empoleirada sobre estacas com os binóculos grudados nos olhos, o adônis de sunga metido a salva-vidas parecia hipnotizado pelas curvas das surfistas curtindo as ondas poderosas do Pacífico.

Avaliando-se em terreno livre pela frente, Milo botou a mão na massa.

Enfiou a ponta recurvada da alavanca metálica em uma das rendas da janela e empurrou com toda a força para soltar as ripas de madeira da veneziana.

Temos mesmo direito de proteger os amigos deles mesmos?, perguntou-se ao adentrar a casa.

Mas aquele dilema de consciência não durou nem um segundo: exceto por Niall, Liam nunca tivera senão um único amigo neste mundo e estava determinado a tentar de tudo para fazê-lo esquecer a dar e restituir-lhe o gosto pela vida.

• • •

— Harry?

Mergulhado na penumbra, o piso térreo da casa achava-se submerso num torpor suspeito, no qual o cheiro de mofo rivalizava com o da clausura. Uma pilha de louça abarrotava a pia da cozinha, e a sala estava revirada como se tivesse ocorrido um assalto: móveis derrubados, roupas espalhadas pelo chão, pratos e copos quebrados. Liam passou por cima das embalagens de pizza, de comida e das garrafas de cerveja e abriu todas as janelas, para expulsar a escuridão e arejar os cômodos.

Construída em L, a casa tinha dois andares, com uma piscina subterrânea. Apesar da bagunça, passava um ar de tranquilidade, graças aos móveis de madeira, ao assoalho claro e à abundância de luz natural. Ao mesmo tempo vintage e desing, a decoração alternava móveis modernos e tradicionais, típicos da época em que Malibu ainda não era o covil dourado dos bilionários e não passava de uma simples praia de surfistas.

Deitado no sofá em posição fetal, Harry dava medo de ver: cabeludo, pálido, o rosto carcomido por uma barba à Robinson Crusoé, não lembrava em nada os  sofisticados retratos que ilustravam a contracapa de seus romances.

— Bom dia aí dentro! — trombeteou Liam.

Aproximou-se do sofá. Folhas de papel amassadas ou dobradas ocupavam a mesa de centro – receitas prescritas pela dra. Sophia Schnabel, a “psiquiatra das estrelas”, cujo consultório de Beverly Hills fornecia psicotrópicos mais ou menos legais a boa parte de jet set local.

— Acorda, Harry! — gritou Liam, dirigindo-se até à cabeceira do amigo.

Desconfiado, examinou os rótulos dos remédios espalhados no chão e na mesa: Vicodin, Valium, Xanax, Zoloft, Stilnox. A mistura infernal de analgésicos, ansiolíticos, antidepressivos e soníferos. O coquetel fatal do século XXI.

— Coragem!

Apavorado, com medo de uma overdose, agarrou Harry pelos ombros para tirá-lo daquele sono artificial.

Sacudido como uma bananeira, o escritor acabou abrindo os olhos:

— O que você está fazendo na minha casa? — resmungou.

NOTAS FINAIS

Ei, vim com mais um porque não resisti
Também porque tenho capítulos prontinhos!!

Não se esqueçam de votar e Comentar, isso é muito importante para mim!

Feliz ano novo ♥
Até o próximo capítulo!!

O garoto de Papel Where stories live. Discover now