O mundo do lado de dentro

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dedicado à laurent91

É tão sem esperança o mundo do lado de fora que valorizo duas vezes o mundo do lado de dentro.
Emily Brontë


— Comecemos pelas boas notícias: a venda dos dois primeiros volumes continua excelente.

Liam virou a tela do laptop na minha direção: curvas vermelhas e verdes se projetavam para o topo do gráfico.

— O mercado internacional seguiu o mercado americano, e a Trilogia dos anjos está se tornando fenômeno mundial. Em apenas seis meses, você recebeu mais de cinquenta mil e-mails de leitores! Você se dá conta do que isso significa?

Virei a cabeça e ergui os olhos. Eu não me dava conta de nada. Nuvens vaporosas empalideciam-se no ar poluído de Los Angeles. Eu sentia saudades da Aurore. De que adiantava todo aquele sucesso se não tinha com quem dividi-lo?

— Outra boa notícia: o filme começa a ser rodado no mês que vem. Keira Knightley e Adrien Brody confirmaram participação, e os figurões da Columbia estão empolgados. Acabaram de contratar o diretor de arte de Harry Potter e estão programando o lançamento para julho em três mil salas de cinema. Assisti a alguns testes de atores e foi incrível. Você deveria ter ido...

Enquanto uma garçonete trazia os pratos que havíamos pedido – tagliatelle com camarão para ele, omelete ao funghi para mim –, o celular de Liam vibrou sobre a mesa.

Ele deu uma olhada no número do visor e franziu as sobrancelhas, hesitando um segundo antes de aceitar a chamada, depois se levantou da mesa para se isolar sob a cobertura de vidro que ligava o pátio ao restante do restaurante.

A conversa não foi longa. Chegava a mim estilhaçada, truncada pelo burburinho do lugar. Parecia-me vigorosa, revestida de mútuas repreensões e alusões a problemas que me escapavam.

— Era da Doubleday — explicou Liam, retornando a seu lugar — Ligaram para falar umas coisas que eu queria comentar com você. Nada muito grave, apenas um problema de impressão na edição especial do seu último romance.
Eu prezava muito aquela edição e queria que saísse caprichada: capa gótica imitando couro, ilustrações em aquarela dos principais personagens, prefácio e posfácio inéditos.

— Que tipo de problema?

— Para conseguir à demanda, produziram a tiragem na correria. Pressionaram a gráfica e deu merda. Resultado: estão com cem mil exemplares com defeito debaixo do braço. Vão destruir tudo, mas o chato é que alguns exemplares já foram entregues aos livreiros. Estão mandando cartas para recolher todos eles.

Ele puxa um exemplar da mochila e estendeu na minha direção. Mesmo folheando-o distraidamente, a cagada saltava aos olhos, uma vez que, das quinhentas páginas do romance, apenas metade estava impressa. A história parava de repente no meio da página 266, em uma frase igualmente inacabada:


Tommo limpou os olhos avermelhados.

— Por favor, Jack, não vá embora desse jeito.

Mas o homem já vestira o casaco. Ele abriu a porta sem olhar para o amante:

— Eu te suplico! — ele berrou, caindo


E era isso. Não havia se quer ponto. O livro terminava em “caindo”, depois disso eram mais de duzentas páginas em branco.

Conhecendo meus romances de cor, não tive a menor dificuldade para lembrar a frase completa: “Eu te suplico! – ele berrou, caindo a seus pés”.

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