Dois Amigos

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Eu recitava as indefiníveis litanias que repetimos ao tentar ajudar um coração magoado, mas as palavras de nada adiantavam. [...] Nada do que possamos dizer fará feliz o sujeito charufado na merda porque perdeu a amada.
Richard Brautigan

— O que você está fazendo na minha casa? — resmunguei.

— Eu fiquei preocupado, Harry! Faz meses que você está trancado aqui se entupindo de calmantes.

— Problema meu! — vociferei, endireitando-me.

— Não, Harry. Seus problemas são meus também. Pelo menos eu achava que amizade fosse isso, não?

Sentado no sofá com o rosto entre as mãos, sacudi os ombros, meio envergonhado, meio desesperado.

— Em todo caso — prosseguiu Liam —, não conte comigo para permitir que uma mulher deixe você nesse estado!

— Você não é meu pai! — reagi, erguendo-me com dificuldade.

Zonzo, mal conseguia me levantar e tive que me apoiar no encosto do sofá.

— É verdade, mas se não fosse eu ou o Niall para ajudar você, quem faria isso?

Dei-lhe as costas sem me dar ao trabalho de responder. Ainda de cueca, atravessei a sala e fui até a cozinha tomar um copo d'água. Em meu encalço, Liam achou um saco de lixo grande e abriu a geladeira para uma coleta seletiva.

— Ao menos que tenha a intenção de se matar com iogurte vencido, eu te aconselharia a se livrar dessas coisas — disse ele, cheirando uma embalagem de queijo branco com o aroma duvidoso.

— Não estou obrigando você a comer.

— E essas uvas-passas, tem certeza de que o Obama já era presidente quando comprou?

Em seguida, ele começou a pôr um pouco de ordem na sala de estar, recolhendo os restos mais volumosos, embalagens e garrafas vazias.

— Por que você guarda esse treco? — perguntou em tom de censura, apontando para um porta-retratos digital que passava fotografias de Aurore.

— Porque estou NA MINHA CASA, e NA MINHA CASA não tenho que dar satisfação a ninguém.

— Pode ser, mas essa mulher acabou com a sua vida. Você não acha que já é hora de tirar Aurore do pedestal?

— Cá entre nós, Liam, você nunca gostou da Aurore....

— É verdade, eu não ia mesmo muito com a cara dela. E, para ser sincero, sempre soube que ela acabaria te dando um pé na bunda.

— Ah, é? Posso saber por quê?

As palavras que ele trazia decoradas haviam tempo saíram de sua boca com força:

— Porque a Aurore não é como a gente! Porque ela nos despreza! Porque ela nasceu em berço de ouro. Porque para ela a vida sempre foi brincadeira, enquanto para a gente sempre foi luta....

— Como se fosse tão simples.... Você não a conhece!

— Pare de venerar essa mulher! Veja o estado em que ela te deixou!

— Claro que isso nunca aconteceria com você! Exceto pelas vagabundas, o amor nunca teve lugar na sua vida.

Sem que pretendêssemos, o tom da conversa mudara, e agora cada resposta estava como uma bofetada.

— Ora, o que você sente não tem nada haver com amor! — Liam se exaltou — É outra coisa, uma mistura de sofrimento e paixão destrutiva.

— Pelo menos eu corro riscos. Já você...

O garoto de Papel Where stories live. Discover now