Rehab

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Atualização tripla!!!

“Virá a morte e terá os teus olhos”

— Título de um poema encontrado na mesa de cabeceira de Cesare Pavese seu suicídio

Ao volante do Bugatti, Liam dirigia lentamente, o que não era de seu feito. Um silêncio carregado de nervosismo reinava no carro.

— Está bem, não faça essa cara. Não estou levando você para a clínica Betty Ford!*

(*Famoso centro de desintoxicação na Califórnia)

— Hum...

Na minha casa, durante uma hora, nos enfrentamos novamente procurando sem sucesso as chaves do carro. Pela primeira vez na vida, quase saímos a tapa. Finalmente, após termos dito cara a cara algumas verdades recíprocas, chamamos um boy para pegar a chave reserva que Liam guardava no escritório.

Ele ligou o rádio tentando amenizar o clima, mas a música de Amy Winehouse só fez aumentar a tensão:

They tried to me Go to rehab

I Said NO, NO, NO

Fatalista, abaixei o vidro e observei o desfile das palmeiras à beira-mar. Talvez Liam tivesse razão. Talvez eu tivesse caído na loucura e fosse vítima de alucinação. Claro que eu tinha consciência disso: durante meus períodos de trabalho, eu andava quase sempre na corda bamba. Escrever me mergulhava em um estado curioso: a realidade gradativamente dava lugar a ficção, e meus heróis às vezes se tornavam tão reais que me acompanhavam aonde quer que eu fosse. Seus sofrimentos, suas dúvidas, suas alegrias se tornavam as minhas e continuavam me assombrando muito depois do ponto-final do romance. Meus personagens me escoltavam em meus sonhos, e pela manhã eu os encontrava na mesa de café. Estavam comigo quando eu ia às compras, quando jantava no restaurante, quando ia mijar e até quando trepava. Era o mesmo tempo patético e fascinante, inebriante e perturbador, mas até aquele momento eu soubera conter esse delírio manso nos limites da razão. Tudo bem calculado, se minhas sandices haviam frequentemente me ameaçando, ainda não tinham me levado às fronteiras da loucura. Por que fariam isso hoje, quando fazia meses que eu não escrevia uma única linha?

— Ah! Eu trouxe isto pra você — disse Liam, lançando em minha direção um tubinho de plástico alaranjado.

Peguei no ar.

Meus ansiolíticos...

Tirei a tampa e observei as pílulas branca que pareciam zombar de mim no fundo do recipiente.

Por que me devolver isso depois de todo aquele esforço para me desintoxicar?

— A abstinência súbita não é uma boa ideia — explicou, para justificar seu gesto.

Meu coração bateu forte e minha angústia se elevou um grau. Eu sentia sozinho e tudo doía, como um viciado sofrendo de abstinência. Como pode alguém sofrer tanto sem ter qualquer ferimento físico?

Na minha cabeça ressoavam os acordes os acordes de uma velha canção de Lou Reed: “I’m Waiting for my Mano”. Espero meu homem, espero meu fornecedor. De qualquer forma, não deixava de ser estranho que esse fornecedor seja meu melhor amigo.

— A sonoterapia vai te renovar completamente — ele me consolou — Você vai dormir como um bebê por dez dias!

Ele pusera em sua voz todo o entusiasmo possível, mas eu via claramente que ele mesmo não acreditava naquilo.

O garoto de Papel Where stories live. Discover now