O garotinho de MacArthur Park

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Os amigos são os anjos que nos levantamos quando nossas asas já esqueceram como voar.

– Anônimo

— Você escapou por um triz da retroescavadeira! — disse Liam, irrompendo na sala. — Nossa! E não melhorou nadinha. Está com cara de quem acabou de cheirar bicarbonato.

— O que você quer?

— Vim pegar o meu carro, se não for muito incômodo! Pretendo dar uma última volta antes de entregar ao oficial de justiça...

MALIBU COLONY

DEZ HORAS DA MANHÃ

— Bom dia, Harry! — disse Niall, entrando por sua vez na sala.

Ele usava o uniforme do trabalho. Dei uma espiada na rua e notei que uma viatura policial estava estacionada em frente à minha casa.

— Você veio me prender? — brinquei, dando-lhe um abraço.

— Ei, você está sangrando! — ele exclamou.

Franzi as sobrancelhas quando notei as manchas de sangue na minha camisa, uma lembrança deixada pela mão ferida de Tommo.

— Não precisa ficar com medo, o sangue não é meu.

— E você acha que isso me tranquiliza? E ainda está fresco — ele observou, em tom desconfiado.

— Esperem. Vocês nunca vão adivinhar o que está acontecendo comigo! Ontem às noite...

— De quem é esta roupão? — interrompeu Liam, pegando o tecido de algodão manchado de sangue

— Da Aurore, mas...

— Aurore? Você não disse que...

— Não! Não era ela que estava usando. Era um garoto.

— Ah, você está saindo com um garoto agora! — ele exclamou. — Isso é um bom sinal! Embora seja novo pra mim, saber que você é gay! Mas é melhor que seja a Aurore.... Por acaso o conhecemos?

— Não sou gay! — Balancei as mãos, Liam me encarou confuso — E em certo sentido, sim! Vocês conhecem ele.

Niall e Liam trocaram um olhar perplexo antes de perguntarem em coro:

— Quem é?

— Deem uma olhada no terraço. Vocês vão ter uma surpresa.

No mesmo passo apressado, atravessaram a sala e passaram a cabeça curiosa pela porta do balcão. Então, dez segundos de silêncio imperaram até que Liam terminasse por constatar:

— Não tem ninguém lá fora, meu velho!

Atônito, fui até o terraço, onde soprava uma brisa revigorante.

A mesa e as cadeiras estavam derrubadas, as lajotas cobertas por centenas de caquinhos de vidro. Café, doce de banana e xarope de bordo esparramados pelo chão. Mas nem sinal de Tommo.

— O exército anda realizando treinamentos nucleares na sua casa? — indagou Niall.

— Isso aqui está pior que Cabul — emendou Liam.

Para evitar a luz do sol, pus a mão acima da testa e examinei o horizonte. O temporal da véspera restituída um aspecto selvagem à praia. Os turbilhões de espuma, que continuavam a rebentar na areia, uma velha prancha de surfe e até uma carcaça de bicicleta. Mas eu tinha de me render à evidência: Tommo desaparecera.

Por reflexo profissional, Niall agachara-se próximo à porta, examinando com preocupação os vestígios de sangue que começavam a secar no vidro.

O garoto de Papel Where stories live. Discover now