O garoto de que veio de longe

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As pessoas que caem frequentemente arrasaram em sua queda os que lhes prestam socorro.

— Stefan Zweig


CLÍNICA DO HOTEL

OITO HORAS DA MANHÃ

— Ei, não é roncando como porco que você vai cuidar de mim!

Abri meus olhos sobressaltado. Com o corpo todo encolhido e recostado no braço de uma poltrona de carvalho, minha coluna estava destruída e as pernas dormentes.

Tommo estava sentado na cama. Seu rosto de giz ganhara um pouco de cor, mas os cabelos estavam ainda mais brancos. De qualquer forma, ela havia recuperado um pouco de entusiasmo, o que no fim das contas era um bom sinal.

— Como você se sente?

— Um trapo — ele confessou, mostrando a língua novamente cor-de-rosa. — Poderia me passar um espelho, por favor?

— Não acho que seja uma boa ideia.

Como ele insistia, fui obrigado a lhe estender o espelhinho que desenganchei da parede do banheiro.

Ele se olhou com pavor, puxou os cabelos, esgarçou-os, desgrenhou-os e examinou as raízes, aterrado ao ver que numa única noite sua insolente cabeleireira castanha se transformara em um cabelo de vovô.

— Como... como é possível? — perguntou, enxugando a lágrima que lhe escorria pela face.

Pousei a mão em seu ombro. Incapaz de lhe dar qualquer explicação, eu procurava palavras de conforto quando a porta do quarto abriu para Liam, que vinha a acompanhado do dr. Philipson.

Com uma pasta debaixo do braço e a expressão preocupada, o médico nos cumprimentou laconicamente e mergulhou por um longo momento no estudo dos exames do paciente, deixados a beirada.

— Já temos o resultado de quase todas as análises, rapazinho — ele anunciou depois de alguns minutos, nos erguendo um olhar que era um misto de excitação e perplexidade.

Tirou do bolso do jaleco uma caneta hidrográfica branca e instalou o pequeno quadro translúcido que trouxeram com ele.

— Em primeiro lugar — começou, rabiscando algumas palavras —, a substância escura e pastosa que o senhor regurgitou é de fato tinta a óleo. No material, foram encontrados vestígios característicos de pigmentos de cor, polímeros, aditivos e solvente...

Ele deixou a frase no ar e perguntou sem rodeios.

— Tentou se envenenar, rapazinho?

— Mas que absurdo! — revoltou-se Tommo.

— Faço essa pergunta porque, honestamente, não vejo como alguém poderia expelir esse tipo de substância sem tê-la ingerido previamente. Isso não corresponde a nenhuma patologia conhecida.

— O que mais descobriu? — perguntei, para avançar no nosso assunto.

Mortimer Philipson estendeu a cada um de nós uma folha coberta de algarismos e termos que eu já ouvira em ER ou Grey's Anatomy, mas cujo significado exato eu ignorava: hemorragia, ureia, creatinina, glicemia, exame hepático, hemóstase...

— Como eh pensava, o exame de sangue confirmou a anemia — explicou, escrevendo um novo item no quadro.— Com uma taxa de hemoglobina de nove gramas por decilitro, o rapaz está bem a abaixo do normal. Isso explica principalmente a palidez, o enorme cansaço, as dores de cabeça, as palpitações e as tonturas.

— E essa anemia é sintoma de quê? — perguntei.

— Precisamos fazer outras análises para determinar — explicou Philipson —, mas não é isso o que mais me preocupa no momento...

O garoto de Papel Where stories live. Discover now