As ruas de Roma

201 12 6
                                    

Voltei com mais um capítulo!!
Minha demora é porque minha mãe não tem como mandar o livro pra eu adaptar mas aí baixei ele no celular e aos poucos estou conseguindo editar!!

Desculpa pela demora gente...
E tenham uma boa leitura!!

——— The • Paper • Boy ———

Serás amado o dia em que conseguires mostrar tuas fraquezas sem que o outro sesirva delas para aumentar sua força.

— CESARE PAVESE

PARIS
14-24 DE SETEMBRO

Apesar da doença de Tommo, as duas semanas que antecederam a cirurgia foram umdos períodos mais harmoniosos de nossa vida "a dois".

Meu romance avançava consideravelmente.Eu redescobrira o prazer de escrever, e minhas noites de trabalho eram permeadas de um arroubo entusiasta e criativo. Eu tentava estabelecer as bases de uma existência serena e feliz para Tommo. Diante do computador, eu criava para ele, ao longo das páginas, a vida com a qual ele sempre sonhara: mais serena, livre de seus demônios, desilusões e mágoas.

Eu costumava trabalhar madrugada adentro, depois saía de manhãzinha, na hora emque as máquinas varredoras aspergiam as calçadas de Saint-Germain. Tomava o primeiro café do dia no balcão de um bistrô da Rue de Buci e dava uma passada na padaria no Beco Dauphine, que preparava tortas de maçã douradas que derretiam na boca. Voltava para nosso ninho, na Place Furstemberg, e preparava dois cafés com leite ouvindo rádio. Tommo vinha bocejando se juntar a mim, e tomávamos nosso café da manhã recostados no balcão da cozinha americana que dava para a pracinha. Ele cantarolava, tentando entender as letras dos sucessos populares franceses, enquanto eu limpava os farelos de massa folheada do canto de seus lábios e ele franzia os olhos para se proteger do sol queofuscava sua visão.

Quando eu voltava ao trabalho, Tommo passava a manhã lendo. Ele descobrira uma livraria inglesa perto de Notre-Dame e me pedira que lhe preparasse uma lista de romances essenciais. De Steinbeck a Salinger, passando por Dickens, ele devorou durante esses quinze dias vários romances que haviam marcado minha adolescência, fazendo anotações, me interrogando a respeito da vida de seus autores e copiando em um cadernoas frases que a haviam impressionado.

À tarde, após uma breve sesta, fui várias vezes com ele ao pequeno cinema da Rue Christine, onde estavam em cartaz antigas obras-primas das quais nunca ouvira falar, mas que descobria fascinado: O céu pode esperar, O pecado mora ao lado, A loja da esquina.

Depois da sessão, recapitulávamos o filme apreciando um chocolate vienense, e, sempre que eu mencionava uma referência que lhe era desconhecida, ele se detinha para anotá-la em seu caderno. Eu era Henry Higgins, ele, Eliza Doolittle. Éramos felizes.

À noite, aceitávamos o desafio de preparar determinadas receitas de um velho livro de culinária desenterrado da pequena biblioteca do apartamento. Com maior ou menor sucesso, experimentamos pratos como blanquette de vitela, pato com pera, polenta com limão ou — nosso maior triunfo — paleta de cordeiro com mel e tomilho.

Assim, ao longo de duas semanas, descobri outra faceta de sua personalidade: um jovem inteligente e sutil, determinado a ser culto. E o principal, desde que puséramos as armas de lado: eu me sentia desestabilizado pelos sentimentos que passei a nutrir por ele.

Depois do jantar, eu lhe passava as páginas que escrevera durante o dia para que ele lesse, o que servia de base para longas conversas. Havíamos surrupiado do barzinho da sala uma garrafa já pela metade de aguardente de pera williams. O rótulo artesanal estava meio apagado, mas garantia que a cachaça fora "destilada no respeito às tradições ancestrais" por um pequeno produtor do norte de Ardèche. Na primeira noite, o levanta defunto queimara nossa garganta e o achamos intragável, o que não nos dissuadiu de tomar uma talagada no dia seguinte. Na terceira noite, passamos a julgá-lo "não tão ruim assim", e "absolutamente fantástico" na quarta. Agora a pinga fazia parte de nosso cerimonial e, sob o efeito desinibidor do álcool, nos abríamos mais um para o outro. Tommo então me falou de sua infância, da monotonia de sua adolescência, da angústia em que amergulhava aquele sentimento de solidão que sempre a lançava de cabeça em histórias de amor furadas. Contou-me a respeito do sofrimento de nunca ter conhecido um homem que o amasse e o respeitasse, bem como de suas esperanças para o futuro e da família que sonhava constituir. Geralmente, acabava por dormir no sofá ouvindo os velhos trinta e três rotações esquecidos pela proprietária e tentando traduzir a canção daquele poeta de cabelos encanecidos que prendia um cigarro à boca e declarava que "com o tempo, tudo passa", que "esquecemos as paixões e esquecemos as vozes que nos diziam baixinho palavras de alento: não volte muito tarde e cuidado com o frio"

O garoto de Papel Where stories live. Discover now