23 - Caitriona

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Eu estava ansiosa para mostrar ao Sam as páginas revisadas da
primeira parte do livro que conta sua vida pessoal antes da carreira de ator. Nem sentei no sofá, esperei em pé mesmo no meio da sala, dando passinhos curtos sobre o tapete e mordendo o lábio. Olhei dinamicamente as páginas à
procura de qualquer coisa que nem sei bem o quê para acalmar os ânimos.
_Já disse que é para você se sentar. _ Stella voltou do quarto de
Sam. _ Ele ainda está dormindo, venha depois.
_Não.É importante, eu posso esperar...
_Tudo bem, o que quer que seja, deixa comigo. _ esticou a mão.
_É... Sabe, eu prefiro que eu mesma entregue.
_Sou a assessora dele, de um modo ou de outro eu terei que
vistoriar.
_Se não se importa, eu insisto em fazer isso.
_É o quê? O livro? _ cruzou os braços e olhou-me.
Aquela mulher mais parecia uma governanta má de algum filme
infantil. Não confiava nem um pouco nela.
_É. _ respondi, já que o fato era óbvio e não mudaria muita coisa, se soubesse.
_Eu não sei como ainda tenho paciência para essas diversões
exóticas de Sam. _ ela comentou e sentou-se.
_Isso não é uma diversão.
_Ah! Não? _ olhou-me. _ Você já perguntou o que a psicóloga disse
para ele?
_Bom... não entramos neste detalhe.
_Pois bem, ela disse que era bom que tivesse amigos confiáveis para se sentir mais seguro e que não tentasse esquecer o passado. Só não pensei que fosse pagar por isso.
_Não vejo dessa forma... _ engoli em seco, tentando a todo esforço
não sentir que aquela revelação fora surpreendente para mim.
_Vê como? Ele paga para você ouvi-lo como paga ao psicólogo,
como paga a mim, a empregada, o porteiro. Não está levando a sério que vá publicar isso, não é mesmo?
_Eu acho que é você que está enganada.
_Eu tenho anos cuidando da carreira dele e você só está aqui por um capricho. Quem será que conhece mais os impulsos dele? _ desafiou.
_Eu não quero medir forças, quero só fazer o meu trabalho.
_Isso eu não duvido, está fazendo seu trabalho. agora não pense
que vai ser publicado. Ele mesmo já me mostrou isso.
_Mostrou? _ levantei as sobrancelhas.
_É, não me deu nenhuma instrução para procurar editora ou
qualquer coisa do gênero. Não acha que é total desinteresse?
_... _ perdi as palavras e, pela primeira, vez senti uma sensação de ter passado o papel de idiota.
_ No fim, ele vai imprimir um exemplar, colocar capa dura e
guardar. Não perca seu tempo, volte para o mercado.
Caminhei em direção a escada que dava para o segundo andar,
onde ficava o quarto de Sam. Ela não me seguiu, parecia feliz com o resultado de suas insinuações. Subi os degraus com passos fortes e entrei no quarto dele. Afastei um pouco a cortina e olhei-o deitado de bruços, apertando os
olhos por causa da claridade.
_Caiy? _ reconheceu-me.
_Me diz uma coisa, você está levando mesmo a sério o livro?
Sam sentou e reparou nas páginas em minhas mãos.
_Por que essa pergunta agora? _ levantou e foi até o banheiro.
_Eu quero ter certeza de que você vai levar o trabalho até o fim. _
disse-lhe do lado de fora da porta do banheiro.
Cinco minutos depois, ele aparece de cara lavada e dentes
escovados.
_Eu não estou entendendo nada,
_A Stella me falou que..
_Ah! _ revirou os olhos. _ Eu estou entendendo tudo agora. _
ironizou. _ Não dê ouvidos a ela.
_Como posso acreditar que você não está só se divertindo com essa história de livro? _ comecei a falar em um tom irritado. Ele, que estava de costas para mim, olhando PELA janela. Vestia apenas um calção quadriculado e estava descalço, sem camisa. Caminhou em
minha direção e eu dei um passo atrás, mas já era o limite da parede. Meu coração disparou indicando perigo. Já havia adrenalina suficiente para eu correr, mas meu corpo se manteve no mesmo lugar. Entreabri a boca para
respirar mais rápido. Aquilo não era uma cena em que o diretor pudesse dizer “corta” e ele não pararia. Eu mesma teria que interromper o curso das coisas se quisesse manter tudo no lado profissional.
Afastei o cabelo do rosto e olhei para baixo. Sam acelerou os passos e puxou com a mão minhas costas. As folhas caíram de minha mão que perderam os reflexos. Ele ameaçou, mas esperou um pouco mais com o rosto a poucos centímetros acima do meu. Engoli em seco, sofrendo minha luta
interior entre a que recusa e a que pede. Sua mão fechou o punho no cabelo da minha nuca com carinho e firmeza. Seus olhos anunciaram o que se romperia em segundos. Pus minhas mãos em seu braço delicadamente em posição de quem vai afastar, mas não ousa evitar. Ele me encostou
completamente na parede, ou não sei se fui eu que não achei mais nenhum limite para escapar. Puxei pela última vez o ar dos pulmões.
_Sam... _ ouvimos as três pancadas de Stella na porta.
Deslizei para o lado esquerdo e corri para o centro do quarto,
trêmula com o susto. Evitei que ela visse meu rosto quando entrou.
_Tudo bem aqui? _ perguntou.
_O que acha? _ Ele demonstrou que não estava satisfeito.
_Ela subiu e... você estava dormindo... _ tentou explicar.
Virei-me e Stella procurou em meus olhos qualquer coisa que me
denunciasse. Sam de costas a dispensou:
_Vou descer e te vejo lá embaixo.
_Tudo bem... _ ela encarou-nos por um tempo, reparou nas folhas
espalhadas pelo chão, mas decidiu acatar a ordem.

Aproveitei que a porta ainda estava aberta e tomei o impulso de sair
também. Sam conteve-me pelo braço em um puxão, quando passei por ele e meu cabelo caiu sobre o rosto.
_Eu não disse que você precisava ir. _ falou-me.
_Desculpe, preciso... _ dei um passo atrás, ainda pensei em recolher as folhas, mas o livro se tornara uma questão menor. Tomei o corredor e desci as escadas rapidamente.

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