36 - Epílogo

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Caitriona

Coloquei as mãos dentro do sobretudo e me encolhi. Havia acabado de sair de uma balsa do porto. Eu acabava de chegar de outra cidade. Trazia
na bolsa o livro impresso. Sentei-me e olhei o mar por um tempo. Senti uma grande paz. Não havia ninguém ao meu redor fazendo perguntas, nem tirando fotos ou empurrando microfones em minha direção.
O telefone tocou no meu bolso. Era só Lauren.
_Como está? _ perguntou-me.
Suspirei profundamente e fechei os olhos por uns segundos.
_Muito bem. _ sorri.
_Já o viu?
_Não...
_Ele tem um filho que está na sua barriga. _ lembrou-me.
_Eu sei.
_Vocês não estão juntos ainda por quê?! _ irritou-se.
_Não sei. _ ri. _ Na verdade, eu sei. Fiquei sugada com o
julgamento. Precisei dar mil coletivas e nem tivemos chance de ficar perto.
_Ou você não quis? Cait, deixa esse orgulho idiota de lado. Vai lá!
Ele está livre!
Rapidamente passou pela minha cabeça a imagem do juiz lendo a
sentença. Ao declarar a inocência de Sam, sua família vibrou muito e ele foi engolido pela massa de jornalistas. recebido pelos fãs que nunca haviam o abandonado.
_Ele vai dar uma festa hoje para os amigos. _ comentei. _ Recebi o
convite da sua assessora. Sabia que ele já contratou uma?
_É mesmo?
_É uma Senhorinha muito educada... _ ri.
_Menos mal. A vida é curta. Você conseguiu um grande “furo” na
sua própria história. Não é sempre que alguém pode ter isso. Muita gente vive aquela mesmice chata e sem graça. Você não! Você ganhou o coração de um cara incrível! Amiga, pára de fazer
cara feia para sorte.
_Você deve estar certa. _ suspirei.

Desligamos. Eu já havia conversado com Sam, mas não queria contar
essa parte à Lauren.

(...)

Abri o jornal onde havia um artigo de Cait. Ele foi reproduzido por
revistas e sites. Eu não me cansava de relê-lo em diferentes formatos,
edições, letras e cores.
Todo ator precisa ficar repetindo nas entrevistas que os fãs o
acabam confundindo o personagem interpretado nas telas. E quando na vida real também colocamos a máscara da peça da vida? Trocamos de
figurino e nos “reconfiguramos” em mocinhos e bandidos a todo momento. A diferença entre o que se é, o que as pessoas pensam que somos e o que representamos pode dar um nó é nossa cabeça. Muita gente só consegue
desatá-lo com sexo, drogas ou álcool. Virou quase regra. Porém, a generalização pode ser danosa, porque leva inocentes à cadeira dos réus da mídia. O
Queridinho do Cinema foi
condenado injustamente como bandido. Apenas aqueles que o amavam e o conheciam de perto acreditaram em sua inocência.
Agora, instantaneamente, ele volta a ser tratado como rei. Tudo se
diluiu na fugacidade da fragmentação midiática. Para Sam não será bem assim. As noites sozinho na cela, a distância da família, a condenação de seu
público e o medo de pagar pelo crime que não cometeu ficarão marcados na memória.
Era só um vídeo. Mas, geralmente tomamos a parte pelo todo. Há
muito mais conteúdo a se falar de Sam que só aquela cenazinha barata e de péssima qualidade de um vídeo caseiro. As pessoas precisam se identificar
com os erros dos outros para ficarem mais próximas humanamente.
Antes que terminasse de ler, minha empregada informou que meu
celular estava tocando na cozinha, onde eu havia esquecido na mesa. Atendi, era minha assessora.
_Te incomodo?
_Não, pode falar, já estou acordado.
_Eu sei que marcamos os horários do dia para nos reunirmos, mas
eu precisei falar contigo. É que o telefone não pára. Um monte de jornalistas querem confirmar a informação de que Caitriona estaria grávida. O que eu
faço?
_Grávida? _ ri.
_Alguns dizem que a fonte é quente e muito segura. Eles estão
ansiosos pelo furo, pedindo exclusividade, mas...
_Esse povo acha que eu sou coelho distribuindo filhos por aí? Já
colocaram todas as minhas ex grávidas também...
_Então, eu nego?
_Claro, isso é impossível.
_Tem certeza?
Não respondi. Pensei um pouco. Não era impossível.
_Mas quem disparou isso?
_Um deles me falou que uma enfermeira de um hospital
reconheceu Cait. Afinal, ela estava a menos de uma semana em todos os noticiários...
_Ai, Meu Deus...
_O quê?
_Eu acho que fiz uma besteira.
_Que isso! Um filho não é uma besteira. _ ela riu e falou com voz
maternal.
_Não, não. Não me refiro a esse filho, que nem sei que fiz... É que
Cait queria falar comigo e nós acabamos brigando... será que...?
_Acho melhor, então, passar isso a limpo.
_Por enquanto eu mantenho que é só uma suspeita e que vocês
estão bem. Pode ser?
_Ok...
Eu estava me lixando para a imprensa. Ajeitei o celular na palma da mão e imediatamente procurei o número de Cait na minha agenda.
_Cris?
_Oi.
_Onde você está?
_Por quê?
_Precisamos conversar.
Que ironia, eu estava repetindo o que ela fizera dois dias atrás.
_Esqueceu de dizer alguma coisa?
_Onde está?
_Eu acabei de chegar da editora. Estou com o livro em mãos. Vou
deixar um exemplar com a sua assessora.
_Melhor, traz para eu ver. _ aproveitei-me da desculpa.
_Eu ir aí? _ ela não gostou da idéia.
_Está muito ocupada? _ tentei usar uma voz muito amorosa para
quebrar o gelo.
_Para dizer a verdade eu não quero ir aí.
_Mas, precisamos conversar.
_Ah! Então, não é pelo livro.
_Esquece o livro, por enquanto.
_Sam, eu já ouvi bastante.
_Cait, não quero falar sobre isso pelo telefone.
_Deve já ter repórteres por aí por causa da festa que você vai dar e
eu não estou a fim...
_Eu te encontro na sua casa.
Ela suspirou pesadamente e aceitou.
Meu pai que descia a escada perguntou para onde eu iria.
_Sair.
_Isso eu estou vendo. _ ele olhou para a chave do carro na minha
mão que eu acabava de pegar de cima da mesa da sala.
_Eu vou resolver um compromisso  Vocês vão ficar para a festa? _
perguntei.
_Vamos sim. _ ele sorriu e deu uma tapinha carinhosa no meu rosto
e no meu ombro.
Os pais nos dão vários conselhos, mas nem sempre são os melhores. Foi por causa da conversa que eu tivera com o meu pai que havia metido os pés pelas mãos. Eu havia lhe dito que minha relação com Cait estava
estranha, pois ela não tinha me visitado na prisão e nem me procurado. imediatamente após o fim do julgamento. Ele opinou que era melhor eu me afastar. Eu estava em um momento tão desnorteado que preferi aceitar essa diretriz a tentar resolver minha questão com ela.
Quando Cait me ligou eu já estava embrulhado em orgulho e rancor.
_Sam, precisamos conversar.
_Agora? _ perguntei com muita ironia.
_É, agora que pode falar...
_Eu também podia falar na prisão e precisei de você, mas não
esteve ao meu lado. _ respondi infantilmente, com um menino pirracento.
Como sinto vergonha de mim agora!
_É importante.
_É sobre o quê?
_Não dá para falar por telefone.
Marcamos dela vir até minha casa. Eu estava no sofá, lendo pela
primeira vez o artigo que agora de manhã estava relendo, quando minha empregada anunciou que havia visita entrando. Olhei por cima do jornal e meus olhos se encontraram com os dela. Ela sorriu discretamente, contida
e envergonhada, sem mostrar os dentes, apenas uma linha curva em sua boca. Seu cabelo estava solto e a franja caindo na testa emoldurando as bochechas levemente avermelhadas pelo frio.
_Oi. _ ela fez um sinal com a mão e ficou parada na entrada.
Eu não me mexi de imediato. Deixei o jornal de lado em cima do
sofá e fiquei de pé. Caminhei em sua direção e ela seguiu todos os meus gestos com o olhar.
_Eu preciso te falar uma coisa. _ disse-me.
_Eu li o artigo.
_Não é sobre isso... _ interrompeu-me com pressa, parecia que já
tinha ensaiado o que ia dizer e eu a estava atrapalhando.
_Fala, então.
_Sam, eu nunca planejei me aproveitar de estar com você e...
_Você veio aqui para terminar?
_Não!
_O que, então? Porque eu não sei mais se...
_Você não sabe mais se...? _ ela franziu a testa agora com medo do que eu ia dizer.
_Eu fiquei muito chateado com você, Cait. Sabe o quanto te esperei naquele lugar imundo? Um gesto de carinho se quer...
_Sam, eu estava sendo assediada por todos os lados, preferi evitar
que falassem mais...
_Você sempre se preocupando com a imprensa.
Ela olhou para o lado, mordeu a boca e riu sozinha um riso de
desapontamento.
_Não dá para falar com uma pessoa que só consegue pensar em si.
_Eu soube hoje que a Stella morreu. _ ela fez uma pausa longa para recuperar a voz embargada. _ Ela conseguiu o que queria. Não te colocou na cadeia,
mas te fez ficar contra o nosso amor. Ela venceu.
Cait virou as costas e partiu. Eu, o homem mais covarde do mundo,
fiquei sozinho com meu próprio orgulho em pé, no centro da minha sala.
Estacionei o carro na frente do prédio de Cait e subi as escadarias.

(...)

Peguei a caixa colorida em cima do sofá e olhei o sapatinho de bebê
que eu havia comprado no caminho de casa. Coloquei nos dedos e brinquei
com eles fazendo um caminho em cima da minha barriga. Sorri.
A campainha tocou. Escondi os pequenos sapatos felpudos de baixo da almofada. Abri a porta e meus olhos se encontraram com os de Sam, instantaneamente fazendo meu coração disparar.
Ele entrou em silêncio e eu estendi a mão para o sofá, indicando
que poderia sentar. Ele abaixou-se para pegar alguma coisa e eu me virei para fechar a porta. Quando voltei a olhá-lo, percebi que ele tinha apanhado do chão um dos sapatinhos que escorregara do sofá e caíra na hora que tentei
escondê-los.
_É verdade, então?
Percebi que ele já sabia pelo seu tom de voz. Esse era seu assunto
tão importante.
_Por que me escondeu? Com que direito me escondeu? _ fez uma
cara de horror.
_Com o direito de uma mãe que não quer dividir o seu filho com
ninguém... _ falei calmamente e caminhei em direção a minha mesa de trabalho. _ ... Não vou vender a foto do meu filho para alguma capa de revista, nem compartilhar minha gravidez como notícia.
_Hei! Eu sou o pai! Está me incluindo no grupo dos outros?
_Não, Sam. Eu tentei falar com você, mas antes você tomou a
decisão de que eu não era melhor para sua vida. Como meu filho e eu não vamos ser a mesma pessoa quando ele sair da minha barriga, não precisa ficar comigo por causa dele. Já fez sua escolha...
_Não, não... _ Ele veio até mim e isso me fez lembrar de nosso
primeiro beijo, naquele mesmo local. Só que agora estava diferente, com sua voz firme e decidida. _ Cait, eu me senti rejeitado e acabei me deixando levar pelo orgulho... Mas, eu ainda te amo.
Abaixei os olhos.
_Você me ama também? Ou tudo morreu como disse naquele dia?
Não respondi.
_Acho que isso pode ajudar a te fazer lembrar... _ ele segurou meu
rosto e me beijou. Seus lábios deslizaram pelos meus e senti o cheiro do seu perfume. Sua mão apoiando a minha nuca e a outra me apertando contra sua
cintura fizeram o meu corpo responder aquela lembrança de segurança e amor. Correspondi o seu beijo e senti o coração disparar.
Afastamos um pouco nossos rostos e Sam com a boca avermelhada
pelo beijo intenso sorriu.
_Agora somos só nós, só nós três. Nós é que vencemos.
_Eu te amo. _ sussurrei.
_Eu também te amo. _ ele puxou-me para um beijo longo e me
envolveu com seus braços.

Um dia em nossas vidas abraçamos alguém e descobrimos que nunca mais podemos nos afastar daquele abraço quente e seguro. Aí, é amo.

FIM.

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