Onze, pt. 1

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N/A

Se comparado aos outros capítulos, este aqui ficou grandinho! É por isso que o dividi em duas partes.

Sinto como se estivesse a cravar uma faca em meu próprio peito; ultrapassando minhas barreiras, exorbitando meus limites racionais. Pisando em um campo minado e deslumbrada pela sensação, trancando a voz que grita alertando um perigo. Totalmente consciente de que posso sair machucada, mas, totalmente consciente de que desejo uma aventura para além de obscura. O que percorre em minhas veias é a liberdade que ofusca meu lado supostamente certo – inegavelmente, há uma fusão de neurastenia e empolgação que ocorre em meu interior.

Dou meu último retoque: um brilho labial cintilante.

Não consigo disfarçar minha ansiedade nem que por um minuto, e não vejo justificativa. Eu nem mesmo queria sair com alguém, ainda mais um sujeito da universidade que já passou pelas mãos de outras tantas garotas. Mas não permito que minha cabeça se inunde com esses pensamentos, até porque é minha vez. Poderia ter lutado contra meu emocional, poderia ter o ignorado mais um pouco, e, quem sabe assim, eu jamais estaria em frente ao espelho articulando o que ele provavelmente pensaria da minha produção desta noite. É como se estivesse nua com essa roupa – a blusa, ainda que de algodão e mangas compridas, possui um decote frontal, além de uma renda preta que o contorna, fazendo contraste com a saia de couro preta, deixando minhas pernas finas expostas. Me esforcei para usar essa combinação, uma hora eu teria de arrancar do meu armário, afinal.

Pelos ombros, me certifico de que faltam apenas dois minutos. Me sento ereta no sofá rúbeo, esperando. Campbell ao menos sabe onde moro? Tentei questioná-lo, mas, o “Sr. sabe tudo” me interrompeu.  É contar com a sorte e o pingo de confiança que depositei nele.

Até ouvir batidas na porta.

É ele. É Brandon.

— Por Deus, juro que nunca me senti tão perdido dentro de um prédio — ele apoia uma das mãos no batente e a outra vai a cintura. Sua expressão é de alívio.

Entorto a boca e dou uma risada baixa.

Toda minha segurança vai pelo ralo quando analiso desde seus fios de cabelo alinhados para trás com gel até sua camisa branca por baixo de uma bomber azul escuro, sem contar a calça preta que caiu muito bem nele. Tudo nele é puro estilo. Atraente. Brandon está absolutamente incrível.

Me frustro por um instante, por pensar que jamais, sequer, chegarei perto de tocá-lo. É a própria maçã envenenada que mostra suas garras através da tentação humana. Porém, beleza não compra dignidade e não satisfaz minhas regras.

Percebo que seu olhar viaja por mim, pelo meu corpo, pelo meu rosto. É como se diante a sua atenção, eu estivesse sendo analisada até a alma mais profunda de meus ossos.

— Você está maravilhosamente linda — Brandon diz, num ritmo lento, mas com sinceridade e doçura.

Imediatamente tento resgatar minha lucidez, limpando a garganta e lançando um olhar indiferente a ele.

— Acho que já podemos ir — não que eu não quisesse agradecê-lo ou coisa do tipo, mas simplesmente não consigo. Não quando ele parece ler tudo que se passa em minha mente. E, por parte, também quero que acabemos com isso.

Evito encará-lo enquanto apanho meu celular e também minha chave. Pensando melhor, não levarei meu celular. Não acho que precisarei dele.

— Me dê ele — Brandon se manifesta, ousando a dar dois passos a frente, se referindo ao aparelho em minhas mãos. Franzo o cenho alternando meu olhar entre as duas coisas, por fim, acabo o entregando. — Pronto.

Me dou conta de que o mesmo salvou seu número de telefone. Que inteligente. Reviro os olhos imaginando o dia em que acabaria excluindo seu contato, talvez amanhã mesmo. Deixo o eletrônico no balcão e respiro fundo, sendo obrigada a olhar para ele.

Agora podemos ir, princesa.

Ele me conduz até uma Rover preta parada ao outro lado da rua, iluminada somente por um poste

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Ele me conduz até uma Rover preta parada ao outro lado da rua, iluminada somente por um poste. O silêncio que paira entre nós até o momento em que entramos dentro do carro é perturbador. Engulo em seco e o espero dar partida para colocar o cinto de segurança. O interior tem uma mescla de aromas, desde hortelã e canela até o perfume masculino forte impregnado em Campbell. Mas é incrivelmente bom.

Me pergunto quantas garotas já estiveram sentadas neste banco, onde estou no momento. Qual seria nosso destino; o que estaria ele pensando enquanto dirige com uma tranquilidade assustadora. Um turbilhão de coisas que são como lenha na fogueira recém acendida. Para apaziguar essa tensão, me permito ligar a rádio do automóvel. Brandon tem uma mão no volante e a outra na janela, não acho que ele tenha se importado. A primeira estação que surge é a que deixo tocando. Me encosto e contemplo a paisagem do lado de fora, atenta às ruas que passamos.

Nossa quietude é rompida quando chegamos. Pelo menos, é o que acho. Ele estaciona o carro a alguns metros do aglomerado de pessoas que andam pelas calçadas – não muitas, se considerarmos o tamanho da cidade. Não sei o que ele preparou, se é que o fez. Há tantos lugares que me vêm em mente no entanto nenhum deles faz seu tipo.

— Por favor— ele me dirige a palavra num movimento brusco, parando na entrada de um restaurante. Seja este qual for, atendo ao seu gesto, entrando primeiro.

O cheiro de temperos logo se exala pelo ar, deixando-me curiosa, mas assim vejo que o restaurante é mexicano! Com uma decoração álacre, mesas aconchegantes e uma recepção calorosa. Sorrio gentilmente ao rapaz com sombreiro que nos conduz até uma mesa mais afastada. Depois de acomodados, consigo finalmente encarar o semblante de Brandon. Torço para que ele diga algo, não eu.

Certo, certo.

— Jamais imaginaria que curtisse a culinária mexicana — percorro os olhos pelo ambiente, decorando cada ínfimo detalhe.

— Há muita coisa que você não imaginaria a meu respeito — ele diz simplesmente, torcendo o nariz, parecendo mais reflexivo. — E me desculpe por não ter sido criativo. É que... não é muito minha praia.

— Não precisa se desculpar por algo que não está acostumado a fazer. Aliás, estamos quites.

— No quê exatamente? No fato de você não saber arranjar um encontro ou no fato de sair com um desajeitado da universidade?

— Desajeitado é uma virtude para você.

— Mais afiada do que nunca. Gosto disso.

Ele se inclina e nós prosseguimos com essa conexão de olhares deprimente. Nossos olhos estão se alimentando de maneira selvagem. A conexão entre nós é intensa, uma pena que ele possa não sentir o mesmo.

Sou salva do constrangimento pelo garçom que vem nos atender. Tudo bem. Acho que nunca experimentei nada do México, nem mesmo tinha visto o cardápio, então Brandon faz seu pedido na frente.

— Vou querer burritos, no capricho. Para beber, me traga uma cerveja. E para a senhorita... — ele me olha esperando que eu responda de imediato.

— O mesmo, por favor.

Voltamos a nos fitar.

— Sou seu responsável esta noite, não quero vê-la bêbada.

— Tão responsável que vai beber álcool quando sabe que irá dirigir — digo com ironia.

— Por um minuto poderia não ter uma resposta para absolutamente tudo?

Contra as leis do amorWhere stories live. Discover now