Trinta e quatro

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Estamos dividindo o fone e comendo porcarias enquanto apreciamos o sol escaldante banhar as plantas lá fora.

Até o ar me parece diferente.

As árvores - literalmente - cobrem a longa estrada que vamos além.

Mais alguns minutos antes de chegarmos a rodoviária.

Dali, compramos tickets para finalmente pegar o único trem que nos fará descer na zona mais afastada da cidade que é onde minha avó mora.

Estou me sentindo tão viajante, ainda mais com essa jardineira jeans e esse chapéu bordado que compramos na Grécia.

- Senhores, o próximo vagão. - Diz um garoto com não mais de dezenove anos a nós dois, que adentramos com as malas.

São dois bancos de couro gasto divididos por uma mesa de madeira polida no meio. Além de um suporte para revistas se encontrar ao nosso lado.

- Sério, parece aquelas cenas clichês de filmes antigos onde pegamos uma locomotiva e contamos segredos um ao outro enquanto tomamos chá. - Brandon se manifesta com seus olhos brilhantes contemplando o exterior.

Eu o admiro tanto.

Por estar comigo e construindo histórias, juntos. Nunca pude imaginar.

- Vai me contar algum segredo? - questiono enquanto acariciamos a mão um do outro.

- Não acho que tenho um segredo. Você tem?

- Não.

- Acho que você tem.

- Por que acha que tenho?

- Você é sempre tão discreta.

- Não sou discreta, - franzo o cenho - sou quieta, o que é diferente.

- Depende da ocasião.

Nos olhamos e sorrimos maliciosamente.

Depois de algumas conversas, nós dois nos abraçamos a fim de descansar. E permanecemos assim até o fim da jornada.

- Emma não disse que teríamos convidado.

Os olhos turdados e penetrantes de minha mãe avaliam Brandon sentado no sofá com as mãos se esfregando contra a calça jeans clara.

Ele está - nitidamente - nervoso.

Cochicho em seu ouvido que isso não é necessário, uma vez que as duas mulheres a nossa frente não irão fazer nada além de umas perguntas curiosas. Ambas já o conhecem pelas minhas histórias mal contadas, elas sabem o significado de Campbell na minha vida.

Não há motivos para permanecermos nesse vácuo de questões.

- Não assuste o garoto, Trudy.

Minha avó surge na sala de estar com duas xícaras de chá trabalhadas em porcelana.

Junto ao sorriso, aparecem também as rugas que a persegue desde os quarenta e poucos anos. Mas ela não é do tipo velha que faz crochê enquanto assiste programa culinário, ela é do tipo que acorda com o sol para caminhar na velha cidade e toma sex on the beach quando sai com as amigas do clube da terceira idade.

- Estou fazendo uma torta gelada que vai ficar deliciosa. - Ela se acomoda na poltrona pouco mais afastada, com os olhinhos a brilhar. - Emma adorava quando era criança.

- Ela vai tentar te comprar com comida, Brandon. Não se engane. - Minha mãe diz.

- Não duvido nada! - ele sorri em concordância e as duas retribuem. - A propósito, estou impressionado com esse lugar.

Não tinha plena certeza de que ele iria gostar daqui. Cidade pacata e rural. É a minha cara, talvez não a de Brandon. 

- Aqui é sensacional! Não troco por nenhuma cidade cheia de fumaça e stress.

- Cannyville não é assim, vó.

- Pra mim é tudo a mesma coisa.

- Você pode levá-lo para conhecer as redondezas depois. Se lembra que acampava naquela bendita árvore perto do rio?

Levo a mão a testa com a memória de quando era criança.

- Você acampava? - Brandon se manifesta com tom de ironia.

- Nunca fez isso?

- Numa árvore?

- Eu tinha uma “casa” lá, tá legal? - dou risada. - Era a melhor coisa da minha vida.

- E ela ia sozinha! Até o dia que quase caiu no rio. - Minha mãe se põe a falar.

- Sério isso?

Assento com a cabeça esperando que ela continue contando sobre.

- Estava chovendo. Eu tinha avisado, mas Emma é teimosa e acabou por ir mesmo assim... Quando fomos procurar por ela, na hora de correr a menina tropeçou.

- E por um segundo achamos que ela fosse cair na água. - Minha avó completa.

- Isso que dá ser extremamente teimosa. - Brandon rebate.

- Olha quem fala!

Ele distribui um beijo em minha bochecha.

Devo estar corada (novamente), já que nunca sequer demonstrei afeto por outra pessoa na frente da minha família.

É libertador. Mas ao mesmo tempo é estranho.

E depois de uma cansativa tarde ouvindo histórias da minha mãe e vó, eu e Brandon poderíamos finalmente descansar. Colocamos nossas coisas no mesmo quarto, mas é claro que poderíamos escolher dormir ou não na mesma cama.

- Elas são animadas. Não imaginei isso.

- Você não viu nada. Amanhã vão te acordar com panelas e vão fazer de tudo para te agradar no café. - Me sento na beirada da cama, relaxando os músculos.

- Não é assim quando você vem para cá?

- Não sou uma novidade para elas - reviro os olhos, sorrindo. - Estão histéricas com a ideia de eu estar com alguém.

- Estar com alguém em qual sentido?

- Você sabe.

- Não sei - ele se aproxima dos meus lábios.

- Amizade colorida. E agora?

Ele joga um travesseiro na minha cara e eu solto uma risada frenética.

- Vai se foder.

- Ficou nervoso?

- Fiquei. Me acalma.

Reprimo os lábios na falha tentativa de conter minha emoção interna.

- Me fala como eu faço isso.

- Você pode começar ficando quietinha.

Contra as leis do amorWhere stories live. Discover now