dois.

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Eu faço Cherie prometer que não vai dizer nada sobre a visita dos Rowan aos meus pais, principalmente sobre o tom ameaçador com que Carson se referiu ao nosso negócio. Mas o silêncio dela tem um preço. Eu preciso alimentar o monstro da curiosidade dentro dela. E isso significa reviver o passado.

Não consigo parar de pensar no silêncio da rádio fantasma desde que os Carson retornaram. E agora, no início da primavera, a neve está caindo do lado de fora. Os Rowan enrevesaram a ordem natural das coisas em Seven Heavens.

― Georgia e eu tínhamos a teoria de que a rádio fantasma era do meu pai e de James Rowan. O pai de Carson e Seth.

Desisto de tentar sintonizar a rádio fantasma no meu celular. Ela está completamente muda. Ergo os olhos novamente para Cherie, sentada sobre as próprias pernas na cama próxima à porta. Desde que ela chegou à Seven Heveans para ser nossa hóspede, nós temos dividido o meu quarto. Eu não me importo em ficar com uma cama abaixo da janela, aliás. É bem mais frio. Mas dá para ver o céu toda vez que me deito.

― James e Jonathan. J&J. ― Rolo os olhos assim que um sorriso me escapa. ― Eles eram, sei lá, algo como os caras mais populares do St. Vicentti na época deles. A rádio fantasma surgiu nessa época e era a coisa mais tecnológica que existia por aqui. Você sabe...

― A coisa das montanhas e o satélite. ― O riso asmático de Cherie se espalha. Ela respira fundo, abraçando as próprias pernas e apoiando o queixo entre os joelhos. ― Sobre nenhum sinal chegar aqui como deveria.

― É. Não somos a cidade mais globalizada do mundo.

Cherie Murphy já ouviu essa história um milhão de vezes. Sobre Seven Heavens ter uma localização privilegiada para quem gosta de viver isolado do resto do mundo. As pessoas gostam de dizer que o fenômeno de cores no céu forma uma redoma que impede com que sinais de rádio e internet cheguem até nós. Mas a verdade é que nossa localização geográfica é extremamente hostil à modernidade.

A não ser pela única antena da cidade que capta sinal diretamente para o nosso cybercafé, o único local com internet da cidade. E pela rádio fantasma, que funcionava antes mesmo da nossa antena chegar. Até aquela noite.

― Ah, droga. ― Olho para a neve prendendo ao chão e salto da cama. Estamos no começo da primavera, não deveria estar nevando. ― A antena! Nós deixamos os equipamentos de captura de ondas sem proteção.

Eu tropeço em meus coturnos de neve caramelos, agarrando a primeira coisa quente que encontro: uma touca de lã. Não tenho tempo de procurar pelo meu casaco. Cherie está no meu encalço silenciosamente, respirando como um motorzinho, igual à Lady Gaga. Não a cantora, a gata dos Hendrix, nossos vizinhos.

― Liv, espere. ― Ela sussurra pelas escadas escuras. ― Não é melhor chamar o senhor Wilder?

― Não! ― Eu me encolho só de imaginar a expressão zangada do papai. ― Isso é o meu trabalho! Tomar conta do equipamento da antena. Você vem comigo, ou não?

As sobrancelhas de Cherie se cruzam em uma confusão. Ela não consegue entender as regras rígidas dos Wilder. Talvez seus pais australianos sejam muito liberais, afinal. Mas aqui, embaixo do teto de um Wilder, é imprescindível que se siga regras. E eu já estou quebrando uma delas sobre nunca sair de casa depois das dez da noite.

― Eu conto sobre os Rowan no caminho.

Ergo a chave da nossa caminhonete, subindo o ombro até que ele toca meu maxilar. Cherie solta o ar dos pulmões sensíveis que possui e me segue com um cobertor ao redor dos ombros.

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