Capítulo 2.

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Dilan

Saudade é algo que consome nossa alma aos poucos. Nos pegamos desejando com todas as forças poder encontrar a pessoa ou coisa novamente. É algo como encarar o nada, esperando ver o tudo.

É dolorido, é decepcionante e nos deixa ansiosos.

A primeira vez que experimentei esse sentimento amargo foi quando meu pai viajou a trabalho. Às vezes eu escutava sua voz ou sua risada, e então lembrava que ele estava longe.

Acho que saudade e luto andam na mesma linha. São sentimentos parecidos, que nunca passam, apenas nos acustomamos.

A primeira vez que experimentei o luto foi no enterro do meu pai.

Lembro-me de olhar para seu corpo gelado dentro daquela caixa de madeira. Seus olhos estava fechados e ele parecia sereno. Por baixo do termo bonito, a cicatriz do tiro que o matou. Lembro de como minha voz ficou presa na garganta e como meus olhos ficaram embaçados.

Mamãe me abraçava com força, ela tentava ser forte, mas sua maquiagem borrada e as profundas olheiras em seus olhos revelavam tudo.

Só de pensar que ele ficaria debaixo da terra, dentro de uma caixa, num lugar tão abafado e apertado, eu desmoronava.

Lembro-me de forçar minha voz para perguntar onde estava a única pessoa que podia me acalmar estava. Mamãe, com um sorriso que morria no canto de seus lábios, me contou que sua avó tinha morrido e ela não poderia vir. Meus olhos correram para meu pai morto dentro do caixão, logo as memórias encheram minha cabeça.

As lembranças dele cantando conosco naquele karaokê improvisado a alguns dias atrás, de seu sorriso e de como ele estava feliz encheram minha cabeça.

Algumas perguntas gritavam em minha mente, como uma pessoa tão feliz e amável podia morrer? Como um coração que batia tão vividamente podia ter parado?

Por que ele reagiu a merda do assalto?

Assenti tentando esconder minha decepção. Eu sabia que a partir daquele dia eu tinha perdido uma parte de mim, pois a pessoa que eu mais amei nessa vida estava morto dentro da merda de um caixão. A pessoa que me ensinou tudo que sei, a pessoa que eu esperava com alegria que chegasse em casa, agora não poderia mais sorrir, nem falar, nem me ver crescer.

Agora, quando eu chegasse da academia papai não entraria mais pela aquela porta. A casa estaria vazia sem sua voz.

E eu seria um menino que ficaria sem ninguém para dizer que ama no dia dos pais.

Merda, eu me sentia tão envergonhado quando ele dizia que me amava na frete da Lory, e agora, eu só queria que tudo essa merda não passasse de um pesadelo e que ele se levantasse e me abraçasse.

Queria escutar ele falando que me ama.

Lembro-me que me sentia vazio, minha cabeça doía e por um minuto, eu pensei que a vida fosse apenas um filme, mas quando olhei para o balançar das folhas com o vento, quando senti a brisa leve, e o calor de minha mãe ao meu redor, percebi que isso era impossível.

Se isso fosse um filme eu não estaria com tantos sentimentos pesados dentro do meu coração.

E papai não estaria morto.

×××

Encarei o letreiro chamativo do Candy's enquanto Lory tentava tirar os fios que ficaram presos no cinto de segurança.

Mordi os interior das bochechas tentando não rir com a cena, pois sei que ela ficaria com raiva e acabaria me dando um peteleco.

- Assim não vai funcionar. - Segurei suas mãos que puxavam os fios com agressividade. Às vezes me pergunto de onde ela tira tanta força. - Só está preso. - Ri quando ela murmurou "eu sei" e cruzou os braços. Tirei os fios com cuidado, e logo Lory suspirou.

Nós Crescemos [✓]Where stories live. Discover now