I Cap

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Nessa manhã, junto com Imelda minha empregada, sempre recusei ter escravos ao meu serviço, não podia fazer nada dentro de uma sociedade esclavagista mas podia começar por mim, partimos naquela viagem de travessia do Atlântico, um temor enorme nos acompanhava, por termos dinheiro tivemos direito a um camarote, pequeno com duas camas onde Imelda mal cabia por estar tão forte e eu por ser comprida demais, a minha altura sempre tinha sido um desgosto para o meu papá, poucos homens havia que não se intimidassem com isso, o que eu considerava uma bênção dos céus, do alto meu metro e oitenta olhava muitas vezes com desdém para os homens que cirandavam de volta do meu dote e isso esmorecia qualquer pretendente à minha mão, salvando-me do fatídico contrato de casamento. O capitão quase todas as noites me convidava para jantar no seu camarote, Imelda acompanhava-me sempre, não para me salvar de algo impróprio, pois dormia assim que comia mas apesar disso tinha o sono leve e a qualquer palavra mais alta da minha parte era um verdadeiro dragão na salvaguarda da minha pessoa. As conversas não passavam de coisas triviais, sobre literatura principalmente sobre a sua obra preferida "Le morte d'Arthur" de Thomas Mallory, o capitão tinha uma verdadeira afeição por essa história e verdadeira paixão pelo romancista, quando uma das vezes lhe disse que Thomas tinha acabado a sua obra preferida dentro de uma prisão de Londres ficou genuinamente chocado e pensei nessa hora que seria expulsa de imediato da sua saleta, mesmo sem ter acabado o jantar que estava delicioso, então fiz elogios verdadeiros ao seu cozinheiro os quais ele recebeu com um ligeiro inclinar de cabeça e um pequeno sorriso.- obrigada, menina, transmitirei o seu elogio a John Smith, ficará deveras entusiasmado-devolvi o sorriso e continuei a comer e a pensar que o teria de fazer, pensar antes de falar, senão queria ser comida para tubarão até o resto da viagem. Os dias, semanas, e meses que quase me fizeram duvidar da minha decisão, dois meses dentro de um navio, por mais que me esfregasse aquele cheiro que, já não sabia se era meu ou dos marinheiros entranhou-se no meu corpo e nos meus cabelos que teimava em lavar com água doce mesmo contra a opinião do capitão. Quando pousei os pés em terra firme parecia que não conseguia colocar uma perna na frente da outra, assim como Imelda que apesar de estar constantemente a dizer-me que não conseguia andar ia caminhando atrás de mim e barafustando com os homens que carregavam as nossas malas. Atracamos no Porto de xxxxxxxx, no início da manhã de 1 de Janeiro do ano do senhor de 1775. Pernoitamos numa pousada onde nos ofereceram um jantar de carne assada com batatas não sei se tinha fome mas apesar do estômago não querer segurar nenhuma comida, consegui alimentar-me e instiguei Imelda para que fizesse o mesmo, não se fez de rogada, claro, eu não sabia como é que esta mulher conseguia guardar tanto alimento dentro dela espantava-me sempre com o seu apetite. Subimos para o nosso quarto e ajudou-me a despir, pelo espelho que estava um pouco baço, reparei que levantava as sobrancelhas escuras como se estivesse a questionar-se a ela própria:

-Que se passa, está a torcer-se toda, ou ainda são efeitos do navio? - sorri-lhe

-Ah menina, não encontrou o estado de alma destas gentes um pouco atribulado? Assim com o cenho fechado?-perguntou-me sem me olhar desatando os laços do meu corpete.

-Sim, um pouco pesado, pensei que seriam ainda efeitos do navio, mas senti como você, afinal a guerra está aí, com a guerra muita coisa se perde principalmente o espírito, . Mas vamos descansar, amanhã é outro dia e estaremos a caminho de Monticello, com sorte chegaremos ainda de dia, o papá dizia que era a propriedade mais bonita de toda a Virgínia com uma boa produção de tabaco.

-Mas a menina também sabe que isso se deve aos escravos que lá trabalham, como vai resolver essa questão querida, sei como pensa em relação a isso. Que é abo... abol..

-Abolicionista Imelda, Abolicionista, sim temos de resolver isso, não sei ainda como, mas as coisas estão a mudar, pressinto no ar, vamos pensar numa solução.. Amanhã, agora vamos dormir, vá-se deitar eu arranjo-me sozinha com o resto. - sim era uma questão que tinha de resolver, não queria ser dona de escravos foi uma das razões para querer vir para o novo mundo poder pôr em prática as minhas ideias, não seria fácil teria de lutar com meio mundo mas seria a dona e iria conseguir, tinha fé. Olhei-me no espelho tinha apenas a camisa vestida com os cabelos soltos pelas costas muito loiros teria de os cortar, os meus olhos azuis carregados de esperança, passei a mão pelo meu corpo, o meu corpo, agora só eu mandava no meu corpo, já não o tinha à disposição dos olhares de qualquer papalvo, em exposição, seria eu a decidir sobre mim mesma, deitei a cabeça na almofada e deixei-me dormir ao som da respiração pesada de Imelda, amanhã seria outro dia...

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