XIX

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Passei o resto da tarde nos jardins, a receber os primeiros  regimentos,com eles vinham mulheres que rapidamente se prontificaram e ajudaram na organização dos mantimentos, isso era o que mais nos preocupava, mas foram distribuídos por todos quase de forma igual, as fogueiras foram acesas e os generais que os acompanhavam depois de alojados os seus soldados e acompanhantes entraram em casa  para discutirem os próximos passos, sentei-me num dos sofás da sala ouvindo aquelas vozes que ali faziam história, o centro da discussão era a taxação imposta pelo Reino Unido, os reguladores contra os legalistas, queriam encerrar a autoridade britânica começando pela Virgínia. Falavam do uso de trabalho escravo embora continentais e a maioria não fosse de acordo, alguns havia que o mencionavam  como sendo deveras importante e diziam que não se podia abrir mão deles pelo bem da economia, ouvi Sam dizer que falar da escravatura desta forma era um sino de fogo na noite, era preciso exigir o fim do trabalho escravo, assim como era necessário dar mais voz às mulheres, apenas Pulaski não se riu e reforçou as palavras de Sam, que as mulheres estavam ali ao lado deles nas batalhas,  seria necessário ouvi-las ou se não estivessem os homens dispostos a negociar esta questão, elas poderiam fomentar uma rebelião, ouviram-se mais risos, mas ele continuou dizendo que as mulheres,  não se sentiriam obrigadas a cumprir leis para as quais não tinham tido voz nem representação. Pela primeira vez olhei para Pulaski com outros olhos e vi ali mais do que um simples homenzinho franzino, retirando aquele bigode, tinha Uma boca pequena muito bem desenhada e uns olhos rasgados muito bonitos e inteligentes detrás daqueles óculos redondos, uma pele fina, poderia quase dizer que era uma mulher com palavras de mulher, claro que era a minha imaginação fértil, o homem era um homem. Notei que ao dizer tudo aquilo tinha a plena convicção de estar correcto e olhava como que procurando concordância por parte de Sam, de cada vez que Sam  assentia com a cabeça, mais empolgado ficava.
Depois que passaram aos charutos, e sem sequer me notarem, resolvi subir com Imelda.
- Não lhe parece que o general Pulaski tem uma forma um tanto ou quanto peculiar de se expressar, Imelda?
-Bem, as mulheres que trabalham na casa falam muito. – dizia enquanto subia as escadas atrás de mim, e entravamos no quarto.
-Ah sim? E o que dizem? – perguntei-lhe enquanto me ajudava a despir.
-A miúda, a camareira, diz que ele é mulher.
-Credo, Imelda, que coisa horrível de se dizer.
-A sério menina, diz que ele tem seios, que já viu com os olhos que Deus lhe deu, que ele tem mamas. – ri-me da cara que ela fazia acompanhada de gestos – ah e  diz que ele o general, está apaixonado pelo coronel.
-Pelo Coronel? Por Sam?
-ah agora é Sam, menina?  Isso já vai assim?
-Assim como? Imelda, não comeces com as tuas histórias, passeamos juntos ontem e resolvemos que era melhor assim, afinal somos quase da mesma idade, é por isso, por ser mais fácil.
Desviei-me dela, e por trás do biombo onde utilizava o meu penico, via-lhe o rosto que se franzia , como a falar consigo própria. Ela tinha razão, eu não tratava Sam da mesma forma que tratava os outros homens, porque ele não era igual aos outros homens, era o Sam, um guerreiro de cabelos compridos com tranças que se preocupava comigo, e que me beijava sempre que podia e eu aceitava.
- E se houvesse algo diferente? Entre mim e ele, achava imoral? – perguntei-lhe enquanto me deitava e me arranjava as cobertas.
-Bem, meu doce, se for amor não pode ser imoral, pois não? Mas é muito cedo estamos há quatro dias nesta casa, menina, como é possível sentir amor? , luxúria, desejo, acredito, afinal ele é um homem muito bonito e com aquelas palavras sobre os direitos das mulheres a serem ouvidas, bem que podia ser o rei dos homens, mas amor, que eu tenha ouvido, isso constrói-se no dia a dia com a convivência.
-Imelda, que fria, não acredita em amor à primeira vista?
-Bem menina, até pode existir, embora eu nunca tenha visto, mas também nunca vi um amor verdadeiro, todos os casais que conheço foram criados nas salas dos seus progenitores com o preço de um dote por cabeça.
-É, eu não quero isso para mim, como já não tenho progenitores tenho eu de arranjar o meu coração, e acho que ele bate um pouco mais depressa por Sam do que por qualquer outra pessoa.
-ah bate sim e ressalta à vista minha querida, se não se põe a pau toda a gente vê. Vá agora durma, amanhã é o dia da reunião que começa cedo, e queremos estar lá a postos, não é?
-Verdade, só falta chegar o general Horatio Gates, diz-se quer passar o menor tempo possível com Washington, então até amanhã, Imelda durma bem. – foi uma noite descansada sem sonhos. Ou pelo menos não me lembrava deles.
Entretanto na sala.
-Como pode dizer essa coisas Pulaski? – perguntava Washington, entre bafuradas de charuto e você coronel Heughan, as mulheres têm já um importante papel  na sociedade, são as nossas mães, as nossas esposas, as nossa filhas.
-E os nossos amores – continuou Sam – por isso o que quero para mim quero para elas, nesses seus escritos General deveria ter uma palavra para elas assim como para os escravos e claro para os nativos, parece que os temos a todos eles dentro de um saco bem atado, e na minha opinião isso não traz progresso.
-Concordo consigo Coronel – disse-lhe Pulaski deveras emocionado ainda do  seu próprio discurso – não existe progresso se existem camadas sociais aprisionadas.
-Correcto caro General -  sorria num sorriso aberto, demonstrando assim que o homem tinha razão.
Pulaski transpirava alegria, era notório para qualquer um que tivesse olhos que a emoção transbordava dele para Sam, e aquela sensação de frio na barriga alojou-se, não por qualquer sentimento de repúdio apenas por medo que alguém reparasse e gozasse com o homem, sabia como Lafayette seria capaz disso, com aquela impáfia francesa que tinha de dizer o que lhe vinha à cabeça sobre casos amorosos, não por mal, mas por pensar que todos tinham um sentimento despojado em relação ao amor, Lafayette seria capaz de, sem qualquer sensibilidade expor Pulaski ao escárnio geral. Assim afastou-se um pouco e foi até à janela, o ar estava pesado não só do fumo do charuto e ele estava desejando ir recostar-se para pensar nos doces afagos de Andreza, como poderia amar uma mulher desta forma em apenas quatro dias, seria também ele como Lafayette, um homem volátil? Não, ele sentia necessidade daquele carinho, de beber das suas palavras, de a olhar nos olhos, de lhe sentir a pele, não queria assusta-la com a força daquele desejo, daquele sentimento que ele sentia tão puro e verdadeiro.
-Que cara é essa, filho? – seu pai, sempre lhe adivinhava os pensamentos, nunca lhe conseguiu esconder nada, por pouco tempo que tivessem passado juntos na vida, o seu pai sempre soube o que ele estava a pensar e desta vez não falhou um milímetro. – Andreza? É com ela que sonhas acordado?
-Como é possível, pai? Acha correcto? Acha que pode acontecer?
- Sam, eu apaixonei-me pela tua mãe na primeira vez que a vi, e Andreza é como ela,  um espírito livre, por isso não me admiro que te tenhas apaixonado assim que a viste. Só te aconselho com o seguinte, se não a  queres de verdade não vás ao seu encontro, mas por outro lado se o que sentes é real não percas tempo, não sabemos o que o dia de amanhã nos trará, por isso aproveita agora, filho. E deixa-a a ela também aproveitar. Faz o que deve ser feito sem mais delongas. - Foi-se deitar, passou pela porta do seu quarto e se entrasse será que ela o negaria? Provavelmente não, viu como ela se entregou na biblioteca dizendo-lhe que não era mulher de seguir as convenções, mas ainda era cedo, cedo demais!

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