75.

785 68 33
                                    

“Eu não quero ir para casa” foi a única coisa que Maya falou enquanto Luke dirigia. Ele não respondeu, mas Maya soube que ele havia entendido quando o viu mudar a rota que estava fazendo. Vez ou outra ela olhava para as mãos dele no volante. Os nós dos dedos estavam abertos e haviam manchas de sangue seco na pele. Luke usava uma camiseta branca naquela noite. A camisa agora também tinha manchas de sangue, fora sujeira de terra e marcas de mãos. O rosto dele era mais assustador. Mesmo saindo sem um arranhão sequer, seu rosto tinha respingos de sangue, evidenciando que os ferimentos que Vince teve foram graves a ponto de respingar em Luke. O olhar dele parecia perdido. Ele sequer piscava, tão a fundo nos próprios pensamentos que rodeavam sua cabeça. Parecia que tudo o que ele não conseguiu focar na sua volta enquanto batia em Vince vinha agora. Ele conseguia ouvir o grito de Maya, conseguia ouvir Ashton o chamando, Calum o puxando, as pessoas saindo para ver, Kat mandando os seguranças não se meterem, Vince grunhindo embaixo dele. Luke parecia atordoado quando Ashton o empurrou e o segurou até o carro. Perdido.
Maya não era muito diferente. A conversa com Vince rodeava sua cabeça e ela procurava uma explicação, uma luz. Fechava os olhos as vezes, mas meio segundo depois os abria, pois, a imagem que via em sua cabeça era sempre a mesma. Seu pai arrastando sua mãe para dentro de casa pelos cabelos enquanto Maya estava sentada na escada. Maya nunca pensou que passaria por isso. Que seria agredida por alguém. Claro que já fora agredida pelo pai mais vezes do que poderia lembras, mas era diferente. Ela agora sabia o que sua mãe sentia. A dor no peito. As mãos atadas. A raiva. A vontade de revidar. A vontade de se fechar, de se encolher a ponto de passar despercebida. A vontade de sumir. Sentia dores no corpo apenas pela tensão em seus ombros. Estava toda tensa, travada, com as mãos tremulas e os lábios machucados de tanto que ela os mordia.
Pareceu acordar de um transe quando Luke parou o carro. Demorou uns segundos para reconhecer a casa de Margot, avó de Luke. Ela soltou a respiração tremula trancada na garganta e olhou Luke que já abria a porta do carro e descia. Ela fez o mesmo e o seguiu até a varanda. Luke tocou a campainha e se virou para olhar Maya que tremia, se abraçando. Ele desviou o olhar quando a porta foi aberta e Margot franziu o cenho olhando os dois. Ela olhou devagar para o rosto sujo de Luke, depois a camiseta e as mãos. Olhou para trás dele, onde Maya se encolheu, respirando tremulamente.

- Entrem. –ela sussurrou dando espaço na porta-

Luke passou por ela caminhando direto para a cozinha com passos apressados. Maya entrou devagar, hesitante, envergonhada. Margot tocou o braço dela com delicadeza, mas Maya sobressaltou ao toque e a mais velha suspirou.

- O que houve com você, minha criança? –ela perguntou baixinho e Maya balançou a cabeça- Venha, venha sentar. –ela tocou de leve as costas dela e a encaminhou até o sofá-

Maya sentou e olhou Margot que sentou na mesa de centro na sua frente, pegando suas mãos e fazendo um carinho. De fundo, conseguem ouvir a agua da torneira correndo e o barulho de Luke lavando as mãos com sabão.

- Está segura aqui dentro. Vocês dois estão. –ela murmurou e Maya assentiu- Isso significa que pode me contar qualquer coisa. –ela falou e Maya olhou para baixo- Quer que eu ligue para Stefan? –ela perguntou e Maya negou com a cabeça- Então precisa falar algo, Maya. Alguém machucou você? –ela pergunta e Maya fecha os olhos- Luke? –Margot murmurou e Maya abriu os olhos, vendo Luke lhe estender um copo com água. Ela pegou e bebeu um gole devagar-

Luke sentou ao lado dela, se encostando para trás e deitando a cabeça nas costas do sofá. Ele havia lavado as mãos, o rosto e havia tirado a camiseta. Parecia mais apresentável do que antes, mas por dentro ainda sentia a mesma coisa.

- Preciso entender o que aconteceu aqui. –Margot falou e Luke olhou para a avó-

Margot entendeu naquele olhar perdido do neto. Ela entendeu que ainda não estavam prontos. Ela suspirou, assentiu e observou Luke pender a cabeça para trás novamente, encarando o teto. Observou Maya ao seu lado beber mais um pouco de agua enquanto olha o tapete. Os dois parecem quebrados, mas de alguma forma conectados. É inegável a conexão entre eles.

- Só mais uma pergunta. –ela murmura e Luke olha para ela- Está ferido? –ela pergunta e Maya olha Luke prontamente, também querendo saber-
- Não. –ele responde com a voz rouca e Maya fecha os olhos novamente, respirando aliviada-
- Você está, Maya? –ela pergunta e Maya nega com a cabeça-
- A gente pode passar a noite aqui, vó? –Luke pergunta e Margot bufa-
- A casa é de vocês, nunca me pergunte uma bobagem dessas. –ela dá um tapinha no joelho de Maya- Tome um banho, querida. Acho que tem alguma roupa das gêmeas aqui. –ela se levanta e Maya faz o mesmo- Pode usar o banheiro lá de cima. –ela fala e Maya segura as mãos dela-
- Obrigada. –ela murmura com a voz rouca e Margot suspira, puxando-a para um abraço-

Quando se soltam, Maya caminha para a escada. Ela já conhece a casa, já passou a noite ali mais de uma vez. Na sala, Margot senta novamente na mesa de centro e olha Luke. Ela queria aparentar ter calma com Maya na sua frente, mas agora só com o neto poderia transparecer a preocupação que sentia.

- Que merda aconteceu, filho? –ela perguntou e Luke suspirou-
- A história é bem longa, vó. E não é bonita. –ele murmura erguendo o rosto para olha-la. Margot não precisou dizer nada para Luke saber que ela queria que ele contasse- O cara que a Maya estava saindo...
- O advogado. Karen me falou dele. –ela comentou e Luke assentiu-
- Bom, foi ele que mandou aqueles caras baterem em mim. –ele falou e Margot arregalou os olhos- A senhora sabe que... –ele hesita e olha os nós machucados dos dedos- Que eu e Maya tivemos algo, certo? –ele pergunta sem olha-la e ela bufa-
- Sei. –ela revira os olhos- Só o distraído do seu pai e a distraída da sua madrasta que isso ainda.
- Enfim, ele sabia. Lembra que eles me bateram num domingo? Depois da noite que ela passou aqui comigo. Que a senhora viu ela indo embora. –ele pergunta e ela assente- Naquela noite eu e ele meio que discutimos no bar. Eu não deixei ele levar Maya embora porque ela estava meio alterada pela bebida. Discutimos. –ele deu de ombros- Quando os caras me bateram, um deles me falou que era um recado de um amigo. Falou para eu não me meter em assuntos que não são da minha conta. –ele balançou a cabeça- Eu não reparei nesses detalhes. Na discussão que eu tive com ele, eu falei que Maya era mais da minha conta do que ele imaginava. –ele bufa- Eu devia ter prestado atenção nisso. –ele murmura mais para si mesmo- Enfim, hoje um dos caras que me bateu foi no bar e eu tirar satisfação com ele, mas esse cara, que a Maya saía não deixou, disse que eu estava enganado, que eu sou muito impulsivo. Depois ele mandou o cara embora e levou Maya para fora do bar. Eu fui de atrás, porque não confiava nem um pouco nele. Maya estava confrontando ele, pedindo respostas e ele perdeu a paciência, contou toda a verdade. Disse que sabia que eu e Maya tínhamos algo, que mandou sim dois caras baterem em mim. Ele... –Luke balança a cabeça- Ele puxou Maya pelos cabelos quando ela tentou se afastar, eu parti para cima dele. –ele olha suas mãos- Me descontrolei, vó. –ele mostras as mãos para ela que suspira- Ele estava desacordado quando os meninos me tiraram de cima dele. –ela balança a cabeça-
- Luke... –ela pareceu procurar palavras-
- Eu não sou esse cara, vó. Já briguei sim, várias vezes, mas não assim. Eu não sou... Mau. Entende? Eu só não consegui ver aquilo. Ele tocando nela daquela forma. Eu... –ele se encolheu- Maya já passou por tanto, sabe? Se ele tivesse feito algo a mais, se ele tivesse sido... Sei lá, vó. Eu teria matado o cara, e é assustador isso. –ele sussurra- Eu mataria por ela. –ele passa as mãos pelo rosto- Eu não sou uma pessoa ruim. -ele sussurrou mais para si mesmo-
- Não é, querido. Claro que não. -ela balança a cabeça- Escuta, é tarde, você precisa se acalmar, cuidar da Maya. Quando amanhecer, as coisas vão parecer mais claras. Quero que conte para o seu pai sobre essa noite, Luke. Pode ocultar alguns detalhes, como por exemplo que é apaixonado pela enteada dele, mas preciso que conte sobre esse cara, sobre o que descobriu e sobre o que fez com ele. -ela decreta e Luke hesita antes de assentir- Agora suba, cuida da pobrezinha da Maya, ela parece em choque. Eu preparo o quarto das gêmeas para ela? -ela pergunta e Luke olha para ela-
- Não, Maya dorme comigo. -ele responde e se levanta- Desculpa, vó. Por aparecer assim, jogar essa bomba para você. -ele murmura e ela sorri-
- Não se desculpe. Vocês trazem um pouco de energia para minha vida tão monótona. Que graça teria se eu tivesse netos normais? -ela faz uma careta-
- Eu amo a senhora. -ele beijou a testa dela e ela sorriu-
- E eu amo você, garoto. -ela fala e observa Luke se afastar, subindo as escadas-

Luke não escuta mais o barulho do chuveiro, evidenciando que Maya já saiu do banho. Ele vai direto para seu quarto, abrindo a porta e prontamente vendo o corpo de Maya em sua cama. Ela usa uma camiseta dele, tem os cabelos molhados e o olhar antes fixo no teto corre ate ele rapidamente. Ela parece mais calma, mas ainda com o olhar perdido. Luke se aproxima devagar e senta na beirada da cama, de costas para ela, tirando os sapatos e os empurrando com os pés para debaixo do móvel. Maya observa suas costas em silencio, esperando que ele seja o primeiro a falar, mas não acontece.

- Me desculpa, Luke. -ela quebra o silencio com um sussurro tremulo e Luke rapidamente se vira, parecendo confuso- Por envolver você mais uma vez nos meus problemas. -ela esclarece e Luke engole em seco-
- Não pede desculpas, não precisa. -ele pede e ela balança a cabeça, pronta para discordar, mas ele suspira e se deita ao lado dela- Vem aqui, Maya. -ele chama e ela se aproxima, deitando sua cabeça no ombro dele e sentindo ele tocar seus cabelos com carinho- A gente precisa conversar, esclarecer as coisas, resolver as pendencias, mas não vai ser hoje. Essa noite foi... Tensa. Eu só preciso ficar assim pelo resto da noite. Com você segura, protegida e nos meus braços. Deixa o resto para depois, ok? -ele pede com os labios contra a testa dela-
- Luke? -ela sussurra-
- Sim? -ele pergunta-
- Obrigada por estar do meu lado. -ela sussurrou e ele fechou os olhos, beijando a testa dela-
- Sempre. -ele sussurra de volta e é uma promessa-


*****

Nem sempre......
Se preparem para o próximo capítulo! Volto nos próximos dias...

Better man (L.H.)Where stories live. Discover now