Capítulo 26

44 6 107
                                    

Em uma sala vazia e silenciosa, encarando uma televisão desligada e segurando um livro em suas mãos, a bruxa não parava de pensar em como sua vida não fazia o menor sentido sem que a fada estivesse ali, comendo chocolate e assistindo algum filme clichê.

Custava muito tirar de sua cabeça os pensamentos que vagavam, a desconcentrando até mesmo de sua leitura.

Como ela estaria naquele exato momento se Mel não tivesse surgido em sua vida? Provavelmente ainda torturando fadas e sendo um brinquedinho de vidência para as outras bruxas.

Não havia muitas como ela, uma bruxa que não tinha apenas o frio a seu favor, que podia sentir coisas que ainda não haviam acontecido. Sem dúvidas ela era especial, sem dúvidas ela era explorada até o fundo de sua alma. Mas ela preferia pensar que era uma aberração, não um tesouro.

A maioria dos Dawcold e bruxas não acreditavam em alma, mas os poucos que acreditavam tinham sempre o mesmo motivo: achavam que tinham perdido a sua.

Esther não era diferente, mas algo em Melyssa fez com que ela acreditasse que valia a pena tentar salvar o que sobrara da dela.

***

Quando foram puxados de volta à superfície, suas mãos ainda estavam agarradas uma à outra. Jhonny ficou feliz por ter conseguido cumprir ao menos uma promessa em meio a tanto caos.

Ambos tinham lágrimas em seus olhos, mas por razões tão diferentes que eles não poderiam se compreender, apenas apoiar e consolar um ao outro.

— Meus pais estavam lá — disse Jhonny, não sabendo exatamente o que sentir.

— Os meus também — Melyssa disse e então encarou o chão, sua tristeza era palpável.

Jhonny não disse nada, apenas a abraçou, não havia muito o que dizer. Ele sabia que a amiga estava destruída, sem nenhuma ponta de alegria em uma enorme linha de dor. Estavam ambos cobertos de lama, mas nada daquilo importava.

— Crianças, sei que a experiência que viveram deve ter sido no mínimo traumática, mas agora precisam prosseguir, até encontrarem o livro — a voz de Lamar ecoou.

— Quer dizer que conseguimos? — questionou Jhonny.

— Passaram pelo lago e sobreviveram, agora só precisamos saber se são dignos do livro como são da verdade. Venham comigo, os ajudarei a sair daqui.

Os dois ficaram receosos, mas o que o monstro de lama disse se provou ser verdade, então decidiram segui-lo.

Os três estavam cobertos de lama enquanto saíam da caverna por uma saída que nem fazia sentido existir. Se alguém os olhasse sem prestar atenção, poderia dizer que Jhonny e Mel também eram monstros de lama saídos de uma caverna misteriosa.

Por sorte, a saída da caverna ficava de frente para um rio, com uma linda cachoeira que despencava de muitos metros acima deles. Era estranho ver uma paisagem tão bonita quando tudo o que estavam acostumados a ver nos últimos tempos era morte e destruição.

Sem hesitar, os dois se jogaram no rio para tirar toda a sujeira que envolvia seus corpos. A sensação de ter a água em suas peles era tão prazerosa e leve, muito diferente da lama suja e pesada que tiveram que enfrentar.

— Eu não ficaria aí por muito tempo se fosse vocês — aconselhou Lamar.

— O que quer dizer com isso? — Jhonny questionou.

— O que ele disse? — perguntou Melyssa enquanto retornava à superfície.

De repente uma movimentação estranha fez com que ondulações surgissem na água do rio. Jhonny e Mel se apressaram em sair.

Primavera | As 4 Estações [Livro I]Where stories live. Discover now