No muro

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 Ser senhora de suas próprias decisões e tomá-las com um único objetivo em mente lhe parece algo muito poderoso. Ochako se vê muito à mercê do jogo e das personalidades que se depara por vezes, então ser capaz de fazer o que lhe parece o certo, mesmo que talvez não seja o que a protagonista devia estar fazendo, é algo que a faz sentir como se estivesse segurando o último fio de autonomia que tem nesse mundo.

Mas claro que isso tem um preço. E o que ela está pagando no momento é um que provavelmente aconteceria no jogo de qualquer jeito, talvez em outro contexto ou momento, e muito provavelmente não à noite na escola deserta. O fato é que há ela, o Monoma, e uma parede contra a qual ele a pressiona.

Ela pode não ter jogado otome games, mas já observou a Toru e a Mina, e se lembra dos gritinhos das duas sempre que essa cena acontecia. Na verdade, os gritinhos começavam bem antes, enquanto liam os diálogos, o personagem masculino de sorriso malicioso fazia um comentário do tipo "Heh, você não tem jeito mesmo, garota problemática" e um segundo depois, estavam as duas comemorando o fato de que surgia na tela uma imagem do tal personagem apoiando a mão contra a parede, e a protagonista do jogo no meio, encurralada e olhando-o em cândida surpresa. "KABE-DON! KABE-DON!", as duas celebravam como líderes de torcida.

E Ochako poderia olhar para esse momento com saudade, até nostalgia, ao pensar na Mina, na Toru e na saudade que sente das duas, poderia quem sabe pensar em como preferia a orientação delas para navegar pelo jogo ao invés do Bakugou, elas com certeza dariam um jeito de trazer paz pra seu coração mesmo nos momentos mais angustiantes, e definitivamente não guardariam segredos ou se isolariam sabe-se lá por qual motivo... seria tudo muito mais agridoce com elas aqui.

Mas não é em nada disso que Ochako está pensando, não quando o Monoma está próximo. Muito próximo. Próximo de um jeito que nem o Kirishima, o pretendente mais atrevido desse jogo, por assim dizer, ousou chegar.

A mão dele está contra a parede, ao lado, só um pouco acima da cabeça dela, a outra está no bolso da calça, a luz da lua contorna a silhueta dele de azul, combinando com seus olhos, voltados para o portão pelo qual eles acabaram de pular. O loiro pareceu impressionado com a destreza dela em escalar as grades e saltar com habilidade e equilíbrio, coisas que ela fez questão de mostrar para tirar o sorrisinho debochado da cara dele quando subiu no portão antes e ofereceu sua mão para ajudá-la.

Mas se Ochako achou que tinha vencido essa disputa sem nome nem forma exata entre eles, estava muito errada. Assim que os dois adentraram o território proibido a essa hora, eles ouviram barulhos vindos de dentro do prédio da escola, e Monoma a puxou com tudo contra o muro, ambos protegidos pela sombra da massiva parede atrás deles, e Ochako completamente desprotegida dessa invasão de seu espaço pessoal, e ela só não o afasta porque também ouviu os barulhos e também prefere ficar incógnita nessa loucura que topou fazer, além do mais, pelo modo como o garoto mantém totalmente seu foco no que acontece aos seus arredores enquanto a mantém escondida com seu corpo, ela só pode interpretar isso como parte da "missão" e não como uma forma de se aproveitar.

— Vamos dar a volta e entrar pelo corredor que dá para o ginásio, certo? — ele pergunta ainda sem olhar pra ela, escaneando a área. O Monoma parece tão sério, tão... calmo e decidido, bem diferente do garoto desagradável que faz muitas insinuações pro gosto dela e... Ochako não entende bem como funciona essa projeção das pessoas de seu próprio mundo nos personagens desse jogo, mas suspeita que as características físicas são fielmente copiadas, inclusive cicatrizes, e ele não tem nenhuma, sua pele parece muito macia e... nossa, o Monoma original tem mesmo esse porte alongado? Ela nunca reparou muito se ele possui esses ombros largos e essa postura elegante e... — Ai ai, você precisa focar, sabia?

— O-o quê?

— Pare de me olhar assim e foque no que temos que fazer. — ele desvia o rosto, não dá pra ter certeza, mas a pouca luz da lua indica que ele está corando.

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