Na cozinha

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A psicóloga não deve ter ouvido as batidas na porta, é só o que o enfermeiro pode deduzir quando bate e não obtém resposta. Não que importe, pois ele adentra o consultório mesmo assim.

Ela está com as pernas sobre a escrivaninha, olhando para o computador como se fosse a coisa mais interessante do mundo todo, provavelmente deve ser mesmo. O enfermeiro pigarreia, mas ela continua distraída, então ele pigarreia ainda mais alto, e ela enfim o nota.

— Ai, caramba! Faz barulho antes de entrar, parece um gato se esgueirando por aí!

— Eu bati na porta...

— Não é culpa minha se eu não ouvi!

— Realmente, não é... — ele suspira — Você gritou assim durante a consulta toda com a protagonista?

— Ela fala muito baixo! Tive que gritar um pouco, sim!

— Ai ai... esses aparelhos não vão dar conta se continuar assim. Deixe-me dar uma olhada. — ele dá a volta na escrivaninha e espera que ela levante os cabelos a fim de mostrar suas orelhas.

É preciso olhar muito atentamente para notar as pequenas deformações, ou vai ver só ele as note pois ouviu atentamente a todos os detalhes sobre os procedimentos necessários para se livrar das orelhas de coelho e substituí-las por humanas, ou o mais próximo disso. Os aparelhos para melhorar a audição são de um modelo mais antigo, não são o ideal, mas foi o que deu pra conseguir nesse mundo estagnado no tempo e espaço.

— Que mundo doido é esse que essa menina vem que gente tem orelha de coelho e asa de pombo?

— Pombo? São asas de gavião! Bom, eram... — ele ajusta o aparelho da orelha direita — É um mundo onde boa parte das pessoas têm poderes únicos, a Otoge-sama disse que são "individualidades", cada um tem uma. A Mirko que foi usada para seu modelo é uma super heroína que dá incríveis saltos e tem umas características de coelho.

— Imagina você ser salvo por uma coelha gigante! Que coisa mais besta!

— Será? Eu acho divertido! — ele sorri — Mas isso não importa muito, a Otoge-sama queria que a psicóloga que ajuda o Midoriya-kun fosse bem agressiva e direta. Nas memórias da protagonista, ela encontrou essa tal de Mirko e achou que seria a que se encaixava melhor.

— Tsk, que seja. É só um saco esses moleques virem ficar gastando minha orelha com esse draminha todo!

— Bom... mas o Midoriya-kun está com uma atitude muito melhor, não? Lembro que ele fazia um tipo meio obsessivo...

— "Meio?" O garoto era doido! Tava querendo armar um plano de vingança contra o outro lá, tive trabalho pra tirar essas ideias da cabeça dele!

— Bom, mas deu certo, não? Ele me parece melhor, e isso deixa a protagonista feliz. E não se esqueça, minha cara, nós somos um tipo diferente de NPC, nós-

— É, é, eu sei! A gente não é neutro, nossa função é ajudar a protagonista!

— Isso mesmo, e é melhor que não se esqueça disso. Você nem existe no jogo original, está aqui apenas por causa da Uraraka-chan, então seja grata a ela. — ele aperta sua orelha com um pouco mais de força.

— E quem disse que eu não sou? Só não entendi porque ela tá triste daquele jeito!

— Bom... a Uraraka-chan não parece saber jogar otome games, ela está encarando tudo como se fosse uma escola real com pessoas reais, dessa forma seria inevitável sofrer mesmo. Além do mais, ponha-se no lugar dela, ela está numa realidade paralela, com pessoas que se parecem mais ou menos com as que ela conhece, e a única pessoa que veio do mesmo mundo foi colocado no papel oposto ao dela, ninguém é confiável, ninguém a compreende...

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