XX- A voz da culpa, o doce de um beijo

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"-Ficou maluca?!"

Foi assim que Maggie reagiu, quando contei o que havia feito com Lucília. Não consegui esconder por muito tempo, eu tive que contar para alguém. Foi a primeira vez que escutei a voz da culpa dentro de mim, e ela veio como um vento forte, derrubando tudo o que há em volta. Precisava de ajuda, precisava contar com alguém. E a primeira pessoa que eu pensei, foi a Maggie. 

"- Eu fiz o que pude..."

"- Não, você mentiu. Inventou uma estória toda. Se o Thierry souber, não vai nem querer olhar para você..."

Agora são 271 dias. Não consegui segurar o segredo por muito tempo. 

"- Eu não quero perdê-lo!"

"- Dessa forma você vai perder Ana!"

Eu estava sofrendo sim! Será que Maggie não percebia? Será que ela ia contar para Thierry e Judite? Ela não devia fazer, não podia. Seria uma traição muito grande, pois confiei nela para contar tal coisa. Vendo que eu estava a ponto de chorar, ela sentou do meu lado na grama, e então me disse:

"- Olha, eu odeio dar dura em você. Sei que é as vezes é inocente e talz, mas dessa vez foi burrice, e até maldade. Eu também não concordo com a Lucília, acho muita babaquice o que ela fez. Mas o que você fez foi pior: decidiu esconder de Thierry a verdade. Ele PRECISA saber essa verdade, Ana, ele precisa lembrar."

"- Eu sei, eu sei... Está tudo muito confuso aqui dentro, Maggie. Nunca pensei que gostar de alguém pudesse doer tanto assim."

Maggie me abraçou, e eu a abracei também. Eu já não sabia o que fazer, na verdade ainda não sei. Maggie me aconselhou a contar tudo para Judite, e eu então fui fazer tal coisa. Mesmo não tendo consulta com ela, pedi para que ela me disponibilizasse uma hora, para dizer tudo a ela. Judite atendeu meu pedido, e eu contei tudo o que fiz.

"- E agora, como se sente com isso?"- ela perguntou, num tom sério e frio.

"- Não muito bem. A culpa está me pertubando..."

"- Imagino. Ana, eu confiei em você para ajudar o Thierry. Como já lhe disse, sabia de toda essa história, e queria que ele também soubesse. Isso faz parte dele. Mas ele não pode ter contato com isso tão diretamente assim, pode ser um choque muito grande para o mesmo. Por isso eu permiti que VOCÊ falasse com Lucília, pois só VOCÊ daria conta do recado."

"- Eu sei Judite, mas eu não sabia o que fazer, me perdoa!"

Ela sentou na cadeira ao lado da minha, e pegou a minha mão. 

"- Olha, é normal cometer erros. Este foi apenas um erro, mas pode ser consertado. Não faça nada sem ter certeza de que é isso que você quer fazer. Só pense que isso seria importante para o seu amigo. Não vou contar nada a ele, e a ninguém. Isto é algo que você deve resolver sozinha." 

 Por mais chateada que estivesse, eu não podia negar que, desta vez, deveria tomar coragem e me resolver sozinha. Decidi que iria contar para Thi o que eu sei, mas não agora. Preciso apenas de um tempo. A vida é realmente feita de uma série de coisas dificeis, como um emaranhado de fios. Há sempre um jeito de desembaraçar todos, mas nós não conseguimos ter paciência para tal coisa. O que fazemos? Cortamos os fios, e os remendamos com nós. Mas chega uma hora em que esses nós vão desatar, e aí a verdade aparece. Eu dei um "nó" nessa história da Lucília.
Agora, toda vez que eu estou com o Thi, fico com medo dele descobrir toda a verdade. Ele percebeu que eu estou quieta, meio aflita com algo. Antes de ontem, quando estávamos juntos, no velho chafariz, ele esperou todos sairem de perto, e nós ficamos sozinhos. Estava tremendo um pouco. Ele me virou de costas, e escreveu:

" Você anda estranha. O que há?"

"- Nada."

Ficamos quietos. Eu estava tentando não dizer nada. 

" Sonhei com Lucília de novo." - ele escreveu.

"- Você só pensa nela..."

" Mas agora é diferente, Ana. Eu sinto que ela faz parte de alguma coisa na minha vida."

"- Isso é loucura. Você só a viu uma vez."

Estava com ciúmes, e me lembrei de como ficava quando Maria Carolina falava em casamento ou andava com o rapaz que trabalha aqui. Me controlei para não falar tudo o que eu sinto agora, por ele, para não magoá-lo. Eu não posso dizer nada. Não posso garantir meus sentimentos a ele, e um dia, ele ir embora, ou eu ir. Se apaixonar é bom. Mas aquele não era o momento certo, eu devo esquecê-lo e deixar que Lucília continuasse ao lado do seu amado. Ela o merece mais que eu. Estava tudo um silêncio, e ele passou um dos braços sobre o meu ombro. Eu congelei. Aquele toque era demais para mim, que não era tocada por homem algum. Para desviar a minha tensão, eu perguntei:

"- O que sabe sobre ela?"

" Quem? A Lucília? Eu não sei exatamente. Eu sei o que ela me contou: que ela está na faculdade, é estagiária naquela escola e que gostou muito dos meus desenhos. "

"- E era sobre isso que vocês  conversavam naquele dia?"

Ele levantou uma das sombracelhas, e deu um sorriso debochado. Eu fiquei sem entender. Ele me apertou com mais força, e eu fiquei vermelha. Depois, me virou de costas novamente.

" Me responde uma coisa: você gosta de mim?"

"- Aham."

" Eu também gosto de você."

Meu mundo parou naquele momento. Nada se movia ao meu redor, e as únicas coisas que eu era capaz de escutar, eram as batidas do meu coração. Um frio no estômago, que me dominou dos pés à cabeça. Fechei os meus olhos, como se aquilo fosse eterno. Estava em um outro mundo. Nada melhor que a sensação confortável que as palavras me trazem, e as palavras de alguém especial, me trouxeram a melhor sensação que já senti nessa minha vida. Como seria o gosto de um beijo? Eu não sabia. Não sabia como seria, o que fazer. Só sei que fechei meus olhos, porque ele havia me beijado com suas palavras. Mas Thi resolveu selá-las em meus lábios, definitivamente. Não esperava tal feito. Sentir seus dedos passando pelo rosto, e me puxando para perto de si... Como um pincel fazendo uma pintura, numa tela branca. Eu era uma tela branca, sem nada. Ele me completa, ele me desenha, e agora eu descobri isso. Apesar da minha sincronia não estar perfeita, tudo foi muito novo e encantador. E estava tudo bem, até eu lembrar do quão ruim eu fui com ele, da verdade que eu estou escondendo, e que ele pertence a outra pessoa, que o ama. Eu não o amo, eu gosto dele. É diferente, duas coisas totalmentes diferentes. 
Tive que abrir os meus olhos, sair do transe. Eu lembro que me levantei e saí correndo, ele veio atrás de mim, e me segurou pelos braços. Tentei me desvencilhar, mas ele me beijou de novo. 

"- Não!"- eu disse.- " Não posso, você um dia vai entender. Você precisa lembrar, por favor, se lembre de tudo."

Saí correndo, chorando. Não queria ver ninguém, falar com ninguém. No jantar, manti distância de Thi, e Maggie ficou sem entender. Foi o meu primeiro beijo, mas queria que não tivesse sido. Eu sei que eu não vou poder ficar com ele, e nem ele comigo. Então, para que seguir em frente com isso? Eu tenho que contar logo a verdade para ele. Contei para a Maggie sobre isso tudo. Ela primeiro comemorou o beijo, debochou um pouco, e só depois, demonstrou tristeza com a minha situação. E aí, ela voltou a ser "durona" comigo:

"- Ah Ana, larga de bobeira! Lucília não quis, perdeu!"

"- Mas e quando eu contar a verdade? Ele vai ficar muito chateado e vai querer ir atrás dela."

"- É, você tem razão."

"- Eu tenho que me afastar, preciso domar o meu coração."

Vai ser difícil, mas eu sei que vou conseguir. Vera fica curiosa comigo. Ela percebe quando não estou bem. Mas não confio muito nela para conversar. Hoje de manhã as coisas mudaram. Thierry tenta vir atrás de mim, mas eu não deixo. Adrian fica meio preocupado com o irmão, veio me perguntar porque eu estou fazendo isto com ele. Eu fico triste com tudo isso, e não tenho a quem recorrer. Me sinto terrível, quero sair daqui logo. Sinto muito, Thi. Preciso contar tudo a ele, de uma vez.

380 dias- Diário de um hospícioWhere stories live. Discover now