II- Adelaide e seu mundo irreal

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Na hora do almoço, Adelaide sentou na mesma mesa que eu, de novo. Esse já é meu terceiro dia no hospício. Ontem eu descansei, por isso não escrevi. Estava cansada de tudo... Hoje eu vou falar sobre a Adelaide. Não sei ao certo que problema ela tem, falo fisicamente. Bem, nem psicologicamente sei também. Ela é muito fraca, e não vive sem o aparelho para ajudar a respirar. A frágil garota não é de trocar muitas palavras. Ela fala pelo olhar. Mas esse olhar é sempre baixo, triste... Não sei como explicar, eu me comovo com aquele olhar. Conversei com ela no refeitório, e falei sobre o diário. Ela topou na hora, e ficou tão entusiasmada, que quase parou de respirar. Pedi para ficar menos exultante, pois a enfermeiras iam perceber. 
Na hora livre do dia, ela veio até meu quarto. Eu peguei um rascunho, e escrevi tudo o que ela me dizia sobre sua vida. 

"-Eu me chamo Adelaide da Silva e te...nho 18 anos."

"-Como veio parar aqui?"

"-É... uma história muit...o longa."

Vou escrever agora, sem o problema que ela tem na respiração. Não prestei muita atenção enquanto escrevia, em que palavras ela parava para respirar. Mas me dava pena, de vê-la fazendo tanto esforço para falar, e respirar ao mesmo tempo. 

"- Não lembro, ao certo... Só sei que é muita dor, muita que sinto. Eu tinha uma vida normal, antes dos meus pais morrerem. Eu me afastei deles, disse que odiava os dois. Foi horrível! Nunca reparei, que eram os únicos que me amavam de verdade. Me entreguei as amizades falsas... 

-Tente organizar os fatos, e me conte desde o começo.

-Eu nasci aqui no Rio, perto da praia vermelha. Não me lembro o nome da rua. Desde pequena eu tinha um problema emocional muito grande. Aos cinco anos, eu parei de falar, completamente. Meus pais se preocuparam, me levaram a um psicólogo... Eu voltei a falar depois. Aos onze anos me mudaram de escola. O ensino fundamental 2 não foi dos melhores. Eu sofria deboches, eles me humilhavam. Lembro que faziam uma fila no corredor, todos os dias, de manhã cedo, e puxavam meu cabelo, jogavam coisas em mim. E tudo isso, porque não era igual a eles.

-Igual?

-Sim. Meus pais eram superprotetores. Não podia sair de casa sozinha, ir a festas, ou ao cinema com alguns colegas. Não podia nem usar um computador direito! Eu não tinha liberdade. Eu realmente me revoltei com eles, sabe. Foram tempos dificeis. Saia de casa sem pedir, me envolvi com pessoas que não queriam meu bem. Via minha mãe chorando todas as noites. Meu pai se estressava, e me xingava de tudo quanto é nome.

-Por que diz, que eles não te amam?

-Porque aquele amor, era mais uma prisão, do que um amor. Eu não sentia nada por eles. Teve um dia, em que me pai tirou a cinta, e partiu para cima de mim. Ele tinha descoberto, que eu não era mais virgem. Eu tinha cartoze anos. Por sorte não fiquei grávida, mas ele disse que eu havia passado dos limites. Falou que queria me dar uma lição.

* -Então pode me surrar! Eu não ligo!

-Ah é?! Adelaide, sua praga! Vou te mostrar, o que acontece com filhas desobedientes!*

-Ele me bateu com a cinta, até minhas coxas sangrarem. Esperei ele se cansar. Não derrubei uma lágrima sequer. Apanhei a infância toda, porque ele se estressava muito fácil. Quando ele parou de me bater, e minha mãe correu para me levantar. Eu me levantei, e peguei o cabo de uma vassoura. Ele tava de costas, na cozinha, com o cinto na mão. Eu... desci o cabo de vassoura, bem na cabeça dele, com a raiva que eu tinha guardada. Ele foi parar no hospital. 
Eu não tinha voz ativa em casa. Minha mãe conversava comigo, mas sempre obedecia meu pai. Eu tinha me cansado! Ele era muito machista. Não podia nem me expressar!"

Adelaide demorava a pensar e falar. Parecia ter o raciocínio muito lerdo. Lágrimas escorriam de seus olhos, toda vez que lembrava de algo ruim. 

380 dias- Diário de um hospícioWhere stories live. Discover now