XXI- Uma força chamada fé

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290 dias, estamos em abril. Não sei o dia. Não contei nada ao Thierry ainda, e tenho me afastado cada dia mais dele. Faz tempo que não falo com ele, depois do meu primeiro beijo. Não era para acontecer, não deveria ter acontecido. Maggie acha que eu tenho que abrir o jogo, mas e o que será que vai acontecer comigo? Conosco? Eu estou preocupada conosco, para ser sincera. E agora, tem mais coisas que estão acontecendo comigo, que não sei o que irei fazer. 
Tia Maria viera alguns dias antes da Páscoa, para me dar uma caixa de bombons, e também uma notícia preocupante:

"- Só não comprei um ovo, pois está muito caro, e eu não teria dinheiro o suficiente para dar chocolate para todo mundo lá em casa..."

"- Tudo bem, tia."- eu ri um pouco.

"- Queria lhe trazer aquele ovo de chocolate meio branco, meio preto... Qual o nome mesmo?"

"- Não sei tia, eu nunca ganhei muitos ovos de páscoa..."

"- É, tá certo. Também tenho uma notícia preocupante pra te dar."

Eu fiquei bem atenta, me arrumei na cadeira da sala da Judite, e minha tia me olhou um pouco preocupada.

"- Sua mãe sumiu! Não tá na sua casa, faz uns três dias que eu e seus primos rodamos o Rio de Janeiro atrás dela. Ela não apareceu no apartamento, seu tio João está por lá de ronda, caso ela apareça."

Fiquei muda. Como assim minha mãe sumiu? Me senti sem chão, eu não tinha como me defender! Ela deveria estar aqui, para me tirar daqui e eu poder voltar para casa. Minha mãe nunca foi muito "equilibrada", mas ela nunca foi de sair de casa assim, e sumir. 

"- E agora?"- eu disse espantada.

"- A gente já chamou a polícia, eu, seu tio João e a filha dele, a Julinha. Estamos fazendo todo o possível para achá-la."

Mamãe tem três irmãos: um mais velho, que já é falecido, chamado José Augusto, minha tia Maria das Graças, a segunda filha, meu tio João César, o terceiro filho, e ela, minha mãe Magda, a caçula. Titia sempre me contou histórias dela, e sempre disse que ela deu muito trabalho à minha falecida avó. Todos eram muito católicos, minha mãe é a única evangélica. Não sei porque ela resolveu mudar de caminho, mamãe nunca foi de falar muito comigo sobre sua infância, sobre sua vida. Muito pouco falava comigo, e sempre que falava, tinha que me magoar. E eu não sei porque. Sempre senti uma brecha entre nós, algo que eu não consigo explicar com palavras. Ela sempre foi distante, e eu sempre me afastei. 

"- Não chora Ana, vai tudo dar certo..."

Eu já estava em lágrimas, sem perceber. Imersa em todos os meus pensamentos, em todas as minhas lembranças, boas e ruins. O que têm sido minha vida até agora? O que eu já construí de bom? Já não sei mais nada. Ela queria se livrar de mim este tempo todo, e depois, sumir. 

"- Sabe o que mais me deixa triste, tia? Ela ter me largado aqui, e sumido! E agora? Como vou sair daqui? Somente ela pode fazer isso, só ela tem meus documentos. Estão com ela!"

"- Mas e se a gente achar os seus documentos na sua casa?"

"- Não basta apenas isso, tia. Tem todo um processo, e nem eu sei direito como faz para eu sair daqui. Só sei que demora."

"- Pois se ela não aparecer, eu vou dar andamento a este processo. E se ela aparecer, eu e seu tio vamos pressioná-la para que ela te tire daqui, e dessa vez, ela não vai poder negar isto."

O sumisso de mamãe me deixou com uma raiva muito grande. Depois que titia foi embora, eu me fechei no meu quarto. Fingi que Vera não estava ali, até porque ela também fez o mesmo. Ela estava sentada no chão, perto da cama, com um albúm de fotos na mão. Estava muito quieta. Eu queria chorar, mas chorar alto. Tirar tudo o que se acumulou dentro de mim esses anos todos. Estava na cara o que ela nunca me contou, mas sempre demonstrou: ela não gosta de mim. Fiquei na minha cama, de olhos bem abertos, deitada sem o cobertor de barriga para cima. As lágrimas não saíam, eu não conseguia chorar. Ouvi alguns chiados no quarto, e quando me dei conta, era Vera que estava chorando. 
Já falei sobre a fé, uma vez, mas eu descobri outra coisa sobre a mesma: a fé é um tipo de força. É preciso de fé, para se obter coragem, e a coragem nos dá a força. Não falo apenas de uma fé religiosa, falo de acreditar em si mesmo, acreditar nas coisas boas. Do jeito que a minha situação está indo, eu estou é perdendo a minha fé. Não ia me levantar da cama, e perguntar para Vera porque ela estava daquele jeito, mas uma força maior me fez levantar dali, e quando eu vi, estava sentada no chão, ao lado dela.

380 dias- Diário de um hospícioWhere stories live. Discover now