XXIV- Um pouco de sorte

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Já são 340 dias, estou perto de completar um ano aqui. Espero não passar de um ano, já não aguento mais. Pensando bem, eu tenho amigos aqui... Lá fora, terei que começar do 0. A primeira coisa que pretendo fazer, é ir visitar Maria Carolina no cemitério do Cajú. Me pergunto porque a enterraram tão longe, mas Judite disse que obteve ajuda da Santa Casa da Misericórdia para enterrá-la, e que só havia espaço por lá. Depois disto, eu vou morar com a minha tia Maria. Decidi que não tenho porquê ficar com raiva dela, visto que foi a única que me acolheu todos esses anos. Não sei se quero ir mais atrás de meus pais verdadeiros, se quero me magoar de novo e de novo. Eu só quero paz. Apenas isto, minha alma implora por isto. Vou voltar para a minha igreja, voltar com todas as atividades que eu gostava de fazer. Apesar da minha igreja ser bastante rígida, eu já me acostumei com tudo por lá, e quero voltar logo. Tenho muitos amigos na igreja, o pastor sempre conversava comigo e me orientava. Quem sabe, eu não viro uma pregadora? Quero muito seguir por este caminho. E por que estou falando sobre isto? Porque finalmente, a esperança deu as caras: eu ganhei um pouco de sorte.  
Há alguns dias atrás, minha tia apareceu por aqui. Ela havia achado os documentos. Eu não estava acreditando quando ela me mostrou todos eles.

"- Estão todos aqui."- ela dizia- "Finalmente você vai poder sair, Ana!"

"- Onde eles estavam tia? Me conta como os achou..."

"-Estavam todos em uma pasta vermelha, dentro de uma caixa no armário de sua mãe. Dentro da caixa, haviam fotos do seu pai e de você ainda bebê."

Ela achou meus documentos, e fotos do meu pai! Eu nunca havia visto meu pai antes, até ela me mostrar um albúm de fotos de anos atrás. Ela o escondeu esses anos todos. 

"- Dentro da caixa, havia ainda a roupinha de bebê que você usava quando seu pai de trouxe, a chupeta e uma pulseirinha que sua verdadeira mãe havia lhe dado." 

"- E onde estão? Quero ver..."

"- Desculpe, eu não trouxe. Mas assim que você sair daqui, você vai ver tudo."

Por que minha mãe escondia essas coisas? Será que ela gostava de mim? Será que ela queria esquecer que eu existia, e "me escondeu" dentro de uma caixa? Eu nunca tive coragem de mexer nas coisas dela, e por isso, mal podia imaginar a existência desta caixa. Mas estava feliz, por pelo menos, ter achado os documentos. Falamos com Judite ainda no mesmo dia, e ela disse que iria encaminhar o processo para que eu saísse daqui.

"- Mas isto é algo que não se irá concluir da noite para o dia. Isto levará em torno de um mês, Ana irá passar por exames médicos e ficará sob observação. Por mim, ela sairia ainda hoje daqui, mas a burocracia não permite..." - explicou Judite.

"- Um mês!? Ah não... Vou ter ficar aqui ainda mais um mês.

"- Pelo menos uns 30 a 50 dias. Eu só sigo regras..."

Vou ter que ficar mais um mês aqui. Adrian e Thierry estão no mesmo barco que eu. Lucília também veio ajudar Thierry no processo de retirada do Adrian. Thi pode ir embora, visto que ele é o portador dos documentos e é responsável pelo irmão. Mas ele se recusa a sair, até Adrian também sair. Por falar em Thierry, parece que as coisas estão se encaixando na vida dele. Está começando a lembrar de tudo, e disse que está se apaixonando novamente por Lucília. 

"Ela é uma garota inteligente, positiva, linda... Um anjo, não consigo sequer apontar um defeito nela. Só não sei, se eu devo confiar demais em uma pessoa, que um dia me deixou sozinho, e sumiu."- ele escrevia em minhas costas.

"- Você está com medo?"

"Sim. Mas se não for agora, não vai ser nunca mais, entende? Até agora, eu só tenho a ela e a meu irmão, duas pessoas que me amam, e que querem meu bem."

380 dias- Diário de um hospícioWhere stories live. Discover now