III- Natasha e seus prazeres

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Já se passaram mais três dias aqui, dentro deste inferno, totalizando seis dias, desde que cheguei. Isto é realmente um inferno! É como um grande mar morto, branco, com pouca representação de vida. Fiquei assustada esses dias. Antes de ontem, no quarto 32, uma mulher se cortou toda e queria cortar as enfermeiras também. Foi no meio da noite, pelo que me lembro. Ela começou a gritar muito alto, e acordou particamente todos nós. Só saiu no corredor quem teve mais coragem, pois os loucos daqui ficaram pertubados com tanta gritaria, e se esconderam embaixo das camas. Eu sai do meu quarto, e fui ver o que era. Não deixaram a gente sair das portas, então ficamos lá, inquietos, olhando para a luz que vinha do quarto 32, no meio do longo corredor branco. De repente, os gritos começaram a ficar mais altos, e dois enfermeiros sairam, praticamente, arrastando a mulher de lá, toda ensanguentada, cheia de cortes nos braços. Eu fiquei atenta nos cortes: pareciam mosaicos. Percebi um no lado esquerdo do rosto. Era um um coração, com duas iniciais dentro. Depois que a arrastaram do quarto, só vi duas enfermeiras com os braços sangrando, e reclamando do ocorrido. Pelo visto, a paciente tentou atacá-las. Fiquei sem saber o porquê. 

Conheci muitas mulheres aqui, e pelo que me contaram, a maioria veio parar aqui por causa de homens. Sim, homens, esses cães que tantam amam. Nunca me apaixonei direito, nem tive caso com ninguém. Não sei o que é ter "alguém do seu lado" que seja de outro sexo. Mas elas, as outras mulheres, se acabaram por esses homens, vindo para em um hospício! Como pode ser assim? Fico horrorizada em saber que um ser humano, igual aos outros, faz tão mal ao seu semelhante. 

Hoje, de manhã cedo, cruzei com a prostituta no corredor. Eu estava indo tomar café-da-manhã, como todos os outros, mas ela estava vindo em direção oposta, com um homem. Era o motorista do hospício. Ele levava pacientes ao hospital, se precisassem, buscava novos pacientes, pegava as encomendas da cozinheira na cidade... Mas ele estava estranho, ele e Natasha. Os dois passaram rindo baixo, ela na frente puxando-o para o meio do corredor, perto de seu quarto. Mal posso olhar para lá, depois de antes de ontem. Agora sei, porque ali perto dos quartos da casa dos 30, o corredor tem marcas de sangue. Não quis parar para olhar o que Natasha ia fazer com o motorista, nem especular. Fui direto para o refeitório. Vinte minutos depois, ela me aparece, e se senta ao meu lado. 

"-Olá."

Ela me cumprimentou, e pegou sua maçã fatiada. Ficou me olhando.

"-Oi."

"-Por que não foi ao meu quarto aquele dia?"

Ela se lembrou do convite que me fizera, na noite em que a conheci. Fiquei sem saber o que dizer, também pelo fato de Adelaide passar rente a mim, e nem olhar na minha face. Ainda estou curiosa com o "caso Adelaide", e não consigo descobrir se tudo o que ela me disse era verdade, ou não. Fiquei matutando quase 10 minutos, parecia que estava dormindo. Mas Natasha me cutucou e eu acordei do meu transe. 

"-Hã, não fui porque estava com sono."

"-Ah tá. Quer ir lá, mais tarde?"

Ela me chamou de novo para ir até lá. Sabe, até que não era má ideia. Eu poderia escrever sobre mais alguém, para por aqui no diário.  E fui o que eu fiz. No horário livre, eu fui até o quarto 30, tentando não olhar para a parede ensanguentada. Sou muito sensível. Eu bati na porta do quarto dela, e ela me puxou logo para dentro.

"-Até que enfim, veio."

"-Vim, mas é por uma coisa..."

"-Não precisa me dizer."

Ela automaticamente, tirou o macacão bege, e ficou semi-nua deitada na cama, esperando que eu fosse lá! Eu fiquei em estado de choque.

"-Venha logo, não se acanhe."

380 dias- Diário de um hospícioWhere stories live. Discover now