XI- Vera

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"-Descobri o nome dela!"- exclamou Maggie a alguns dias, no refeitório, na hora do almoço.

"-De quem?"- perguntei

Thierry fez um sinal de quem não sabia. Adrian estava calado, brincando com a comida do prato. Maggie ficou nervosa, e disse:

"-Da garota que tá no quarto da Natasha, ou Maria, ou sei lá..."

"-Ah entendi. Como ela se chama?"

"-Vera."

Vera... Nome um pouco antigo para uma pessoa jovem. Tinha uma moça da minha igreja que se chamava Vera, mas ela tinha uns 70 anos. As coisas para mim estão um pouco melhores, agora que eu e Maggie estamos ajudando uma a outra. As enfermeiras notaram que eu piorei, e minhas visitas à psiquiatria estão mais frequentes, como de início. A psiquiatra de nada é legal comigo, e eu odeio ir conversar com ela. Não sou só eu, Maggie também a detesta. Na consulta dessa semana, ela me perguntou se eu gosto de Maggie, como eu gostava de Maria. Eu assustei. Óbvio que não! Maria Carolina era única para mim, e sempre será. Ninguém toma o lugar dela aqui dentro. Eu me controlei naquela hora, pois com certeza, a diaba estava me testando. Respondi secamente que não, e foi só. Não devo satisfações a ninguém acerca de meus sentimentos.

Eu apenas quero ficar longe de confusão. Fazem 130 dias que estou aqui. Eu queria muito voltar a escrever sobre os pacientes, mas eu estava sem ideias, até eu me lembrar de Vera. Vera é uma mulata alta (palavras de Thierry), magra feito um palito (palavras de Adrian), e com um vocabulário bem "afavelado" (está na cara quem dissera isso (Maggie)). Eu passei a semana toda tentando falar com ela, mas ela é mais estressada que Maggie. Lembro-me que bati no antigo quarto de Maria a uns cinco dias atrás, no horário da tarde, e ela abriu bem pouca a porta.

"-Vera?"

"-Sim, sou eu. Que tu quer?"

"-Posso falar contigo?"

"-Porra garota! Se eu abri a porta e perguntei o que tu queria, era pra que? Fala logo, que eu num tenho tempo mai não?"

Tempo? Que tempo? Aqui ninguém mais sabe o que é tempo.

"-Bem, eu escrevo um diário sobre os pacientes deste local, e queria saber se você pode me contar a sua, sabe..."

Ela riu.

"-Mai francamente, que gentalha essa daqui, hein! Vai cuidar da vida de outro porra! Deixa a minha quieta maluca!"

Ela estava muito estressada, e por isso, não insisti. No começo, os pacientes me tratam assim mesmo. Mas eu sei que eles logo virão até mim. Fiquei na minha, quieta, com meu grupo. Naquele mesmo dia, Thierry tentou falar algo para mim, mas se atrapalhou e saiu correndo. Fui atrás do mesmo, e o abordei no corredor. Thi já fizera isso várias vezes comigo, e eu nunca sei o que ele quer dizer, visto que este sai correndo toda vez que tenta me dizer algo. E céus! Thierry é mudo, como ele pode "dizer" algo? Ri comigo mesma agora. De tão acostumada que estou com ele, atribuí uma espécie de "voz" a ele. Eu acho que gosto dele. Thi é divertido, atrapalhado, e faz mais barulho que qualquer outra pessoa, mesmo sendo mudo. Mas enfim, como estava dizendo, eu o abordei no corredor e perguntei o que ele queria. Thierry olhou para todos os lados, afim de achar alguma desculpa, mas eu sabia que ele queria fugir do assunto.

"-Pode ir dizendo. Essa não é a primeira vez que faz isso comigo, e não adianta tentar me enganar!"

Ele olhou para o chão. Depois olhou bem para os meus olhos. Pegou a minha mão esquerda, e a botou sobre o seu coração. Fiquei sem entender nada.

"-O que foi? Não compreendo..."

Eu realmente não entendi nada até agora, e Thierry ficou nervoso quando falei que não havia entendido nada. Saiu e foi para o quarto, e não o vi mais naquele dia. Eu estava com um enfoque bastante grande em Vera, e não descansaria enquanto não conseguisse escrever sobre ela. De noite, deitada na cama, fiquei virando para os lados, afim de achar alguma ideia de como chegar nela, e nada. Levantei, e ia abrir a porta para ir ao quarto de Maria, mas lembrei que ela já não estava mais lá. Se ela estivesse, estaríamos naquele instante mesmo, resolucionando esse problema. Isso me fez chorar, e não conseguir mais dormir a noite toda. De manhã, no outro dia, eu acordei em cima da hora do café-da-manhã. Uma enfermeira me acordou, e mandou eu me arrumar. Vi que ela estava me esperando ali para tomar os meus remédios. Eu não entendo o porquê dos remédios, sendo que eu não preciso deles. Eu os tomei de bom grado, e depois ela me disse que aquele era o dia das cartas. Eu fiquei nervosa. Já faziam vários dias das cartas que eu tentava escrever para a minha mãe, mas nunca saía nada. Tentei pensar em alguma coisa para escrever para ela, mas eu tinha medo de escrever. Ao chegar no refeitório, sentei com os mesmos de sempre, e tomamos café da manhã. Depois, as enfermeiras passaram nas mesas trazendo lápis, giz de cera, tintas e folhas de papel para todos nós. A folha estava ali, na minha frente, e eu não conseguia escrever nada. Olhei para o lado, e Maggie estava escrevendo para sua mãe. Do outro lado, Adrian estava desenhando como de costume, e Thierry estava escrevendo uma carta também, o que me surpreendeu. Era eu e a minha folha de papel. O medo estava tomando conta de mim. Eu consegui escrever a carta, no fim, mas eu a escondi das enfermeiras. Eu não quis enviá-la. Não tive coragem o suficiente. O que eu disse nela é algo tão profundo, que não consigo nem escrever aqui. É segredo. Estou esperando ganhar coragem, e quero mandá-la para minha mãe.

380 dias- Diário de um hospícioWhere stories live. Discover now