XVII- Pais e mães

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Já é final de Janeiro, e eu ainda estou aqui. Se consegui conhecer gente nova? Não, não tive a chance. Eu estou parada, ultimamente, mas não porque eu quero. Agora são 226 dias. Dali a pouco irá fazer um ano que permaneço aqui. Já notaram, como o tempo passa tão depressa, mas tão devagar? Digo, aqui dentro, dentro de mim, acerca de meus sentimentos, eles passam tão lentamente... Mas meu corpo, a parte externa do meu ser, sente o tempo passar em um piscar de olhos. Por exemplo, quando eu passo a tarde toda sem fazer nada: eu reclamo comigo mesma, pois o tempo parece demorar demais, e eu nunca consigo sair daqui. Mas no outro dia, quando acordo de manhã cedo, eu penso no ontem e digo para mim mesma: "O dia passou rápido ontem, tão rápido que estou aqui a mais de 200 dias, e nem me lembro do que comi na última janta". Eu estive pensando sobre isto, e por hora, cheguei a conclusão que nós não damos valor aos minímos detalhes de nossa vida, somente aqueles que nos interessam ou nos ferem diretamente. O tempo é relativo em relação aos nossos sentimentos e afazeres. Mas há coisas que nunca passam, exemplo disto, Deus. Ele existindo ou não, todos acreditamos nele, e isto acontece desde os tempos mais remotos. Não é um fenômeno e nem um tipo de "magia negra" ou bruxaria, e sim uma questão de fé.
Por falar em fé, é nisto que tenho me agarrado todos os dias. Sorte que por aqui, ninguém nos tira a fé. A fé é a única coisa que sobra na alma da gente, mesmo quando a gente morre, porque todos cremos em um paraíso depois da morte. Eu acredito, acredito na vida eterna. A Maria Carolina, apesar de ter passado anos e anos longe da sua igreja, também acreditava em vida após a morte. É que nós temos fé de que vamos encontrar a Jesus depois que morrermos, ou a Deus... Tanto faz. E eu não acho que tal coisa seja uma inutilidade, porque afinal, o que é do homem sem fé? A fé basicamente move o ser humano, dependente de onde ele coloca sua fé. Nunca deixei de fazer as minhas orações antes de dormir, e depois de acordar. Não deixo de ler a biblía, a única coisa que sinto falta são dos cultos da minha igreja. Mas Deus entende que eu não tenho como sair daqui para isso, então Ele sabe. Não me considero idiota em acreditar e seguir as leis de minha crença, até porque sem ela, eu não sou ninguém. O problema das pessoas está nisso: em querer achar que uma coisa é melhor que a outra, em comparar, e rotular. Só que, vou ser sincera agora, quando a coisa fica "preta", elas ajoelham perto de suas camas, e apelam para o Criador. Mesmo sem acreditar, elas ficam ali chorando e rezando. Não tem como dizer que se é ateu, quando se tem fé. Se você acredita em algo, tem fé em alguma coisa- pode ser até no dinheiro- você não é ateu. É alguém que acredita em algo, a palavra me fugiu... Droga!
Mas chega, chega de filosofias agora. Vamos falar das coisas deste mês. Me consultei com Judite de novo, a uns três dias atrás. Ela perguntou da minha mãe, se eu conseguia falar com ela ainda. Disse que não, que desde que ela me colocou aqui, não fala comigo.

"-Mas você, tomou alguma iniciativa para isto?"

"-Bem..."

Não queria dizer a ela que eu estava sendo covarde e egoísta com minha mãe. Mas daí eu estaria sendo covarde naquele exato momento, em não assumir a minha covardia em mandar uma simples carta a ela. Pensei em como responder.

"-Bem, eu tento mandar uma carta a ela, toda vez que nos fazem escrever cartas. Mas eu não consigo."

"-Você chega a escrevê-las, ou pensar no que poderia escrever a ela?"

"-Sim, cheguei a escrever duas delas, só que na hora de enviar, eu simplesmente não consigo."

"-Por que?"

Ela me fitou com um olhar desafiador. Aquele "por que?" era uma ameaça ao meu orgulho. Não queria admitir que eu estava com "dor de cotovelo", que estava sendo orgulhosa e medrosa. 

"-Ah, porque não. Não me sinto preparada ainda."

"-E eu posso ler alguma dessas cartas, um dia?"

380 dias- Diário de um hospícioWhere stories live. Discover now