XXII- Desespero

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300 dias, e é quase final de abril. Não sei o que fazer mais da minha vida. Quando eu penso que tudo vai ficar bem, as coisas mudam rapidamente em menos de dez dias. Minha vida se tornou um buraco escuro e doloroso em menos de dez dias. Não sei por onde começar, mas eu preciso escrever; estou sentindo a imensa vontade de me cortar de novo, de me machucar e... E eu não tenho mais chão! NÃO TENHO MAIS CHÃO! Essa é a segunda vez que eu lido com a morte. Mas essa morte, essa morte me deixou um vazio, e um monte de mistérios sobre mim, minha vida. 

Minha tia Maria, junto com o meu tio, resolveram acionar a polícia um dia depois que mamãe desaparecera. Três dias depois, a encontraram, mas morta. Pelo que minha tia me disse, ela havia se matado. Mas por que?

"- Como assim?"

"- Ela se atirou da ponte... Encheu o casaco de pedras e se atirou."

Recebi a notícia no dia seguinte. Fiquei perplexa.

"- Será que alguém não fez isso? Ou..."

"- Não Aninha, não! Ela mesma que fez!"- imterrompeu minha tia.

Tia Maria sempre me chama de Aninha quando as coisas não estão boas. Eu estava quase inconsolável. Estava em choque, não conseguia chorar, e muito menos pensar. 

"- Por que? Eu me pergunto: por que?"- eu disse, olhando para o ermo.

Minha tia estava preocupada. Assim como eu, o mundo dela havia desmoronado. E minha tia estava controlando tão bem aquilo, mas tão bem, que sua voz doce e delicada, e seu estado de equilibrio, me fizeram ficar com raiva. 

"- Me responde!!! Por que ela faria isso? POR QUE? Será que você não percebe, que esses anos todos foram uma mentira para mim? Será que você não vê, que eu sei que estão escondendo algo de mim?"- eu gritava, estava fora de controle. 

Minha tia ficou quieta, tentando manter a calma. Eu percebi que estava sendo rude com ela, e que devia respeitá-la, pois ela também estava triste. Me sentei novamente na cadeira, ao lado dela, e tentei me recompor. 

"- Por favor, se tem algo para me contar, me conte agora."

Já fazia algum tempo, que eu notava algo de estranho em minha vida. Minha mãe sempre me rejeitou, sempre estava fazendo eu me sentir mal ou me culpando de algo. Meu pai sumiu quando eu era muito pequena, e minha mãe quase nunca me falava dele, e nunca me deixou ir atrás dele. Isso está estranho, têm algo de errado. Todos da minha família sempre me trataram muito bem, menos a minha mãe. Entre todos os meus primos, eu recebia um tratamento em especial, e muitas vezes, me senti uma estranha na família. Os filhos da tia Maria e do meu tio pareciam com eles, eu não pareço com a minha mãe, e ninguém o diz também. Dizem que pareço um pouco com meu pai. 

"- Tudo bem, vamos começar uma longa conversa. Espero que não se mate depois do que lhe contarei..."

Estava com medo, mas eu disse que iria ficar tudo bem, independente do que acontecesse.

"- Sua mãe se casou com seu pai aos 18 anos. Ela sabia que seu pai era um mulherengo, fanfarrão, e que iria lidar com muitas situações difíceis nessa vida. Sua falecida avó não era a favor do casamento, mas sua mãe era jovem, tinha um espírito rebelde... Seu pai era mais velho que ela, tinha uns 25 anos quando decidiu se casar com sua mãe. Ela achava que o amor consertaria tudo..."- ela riu baixinho, mas com o olhar distante.

"- E aí?"

"- Se casaram, mas uns anos depois, ela descobriu que não podia ter filhos. Seu pai nunca se conformou com isso, e daí, começou a ter uns causos com outras mulheres e prostitutas. Todos sabíamos disso, inclusive sua mãe, mas ela se recusava a acreditar. Magda virou evangélica, mudou radicalmente. Foi ficando fria e amarga, mas o que a fez mais fria ainda, foi o dia em que seu pai apareceu com uma linda garotinha em casa, e um ano depois, sumiu, e nunca mais voltou."

380 dias- Diário de um hospícioDonde viven las historias. Descúbrelo ahora