A descoberta do diário

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A mãe de Ana Laura estava aflita, sentada na cadeira do hospital, procurando saber se a filha estava bem.

- DOUTOR! Doutor! Pelo amor de Deus, me diga se ela está bem...

A mulher estava em lágrimas. O médico apenas abaixou a cabeça, e respirou fundo. 

- E então? Me diga como ela está?

- Infelizmente, senhora Marta, ela não aguentou. Ela morreu. Eu lamento. 

Marta caiu no chão ali mesmo, de joelhos, chorando como nunca havia chorado na vida. Exatamente no dia 20 de abril de 2015, a clínica de reabilitação Santa Barbára pegou fogo, matando quase todos os pacientes, entre eles, Ana Laura dos Anjos, de 24. A moça sofria de um grave quadro de esquizofrênia, o que fez com que ela fosse internada. Marta sempre cuidara da filha com muito amor e carinho, mas a menina só piorava, trazendo muita dor e incômodo a todos que conviviam com ela.
Se passara uma semana depois de sua morte, quando Marta finalmente decidiu limpar o quarto da filha. Ao passar pelos bichinhos de pelúcia, sentados na cama da menina, lembrou-se do quanto brincava com uma garota imaginária chamada Maggie, e de quanto ela acreditava que a amiga era real. Lamentou muito a filha não ter tido muitos amigos de verdade, mesmo ela tentando de tudo para ajudar a garota. Ana Laura imaginava coisas, que na cabeça dela, eram reais. E na clínica não foi diferente. Ela inventou muitos amigos ali, e pouco falava deles, mas as psicólogas da clínica sabiam de tudo, pois a garota confiava muito em uma delas, Judite. 
Ao abrir a gaveta de um dos criados mudos do quarto de Ana, marta descobriu um caderno acinzentado, escondido entre uns lenços de tecido. Na frente estava escrito: "380 dias- diário de um hospício". A mulher começou a ler aquilo. Dia após dia, Marta se envolvia na estória, conhecendo tudo o que se passava na mente da filha. 

- Preciso mostrar isto para Judite!- ela disse para si mesma.

Judite não estava na clínica quando esta pegou fogo. No dia em que o botijão de gás da cozinha causou o incêndio, Judite estava de férias, viajando em outro lugar. Voltou correndo assim que vira na televisão a reportagem sobre o incêndio. Agora, iria prestar audiência, assim como todos os sobreviventes do local. Estava em seu apartamento, um belo apartamento em Ipanema, quando Marta apareceu.

- Preciso te mostrar um negócio.

Tirou o caderno da bolsa, e o colocou nas mãos de Judite. Judite abriu aquilo, e passou os olhos rapidamente. Depois fechou o caderno, e a convidou para entrar. Ela estava um pouco confusa. 

- Bem, soube que Ana Laura morreu. Eu lamento muito...

Marta sorriu um sorriso de lado, um sorriso de dor. Judite continuou.

- Mas, este caderno... O que quer me mostrar?

- Queria que o lesse. Parece um diário escrito por minha filha antes de morrer. Eu li tudo, mas todo o diário conta estórias que parecem terem saído da cabeça dela, sabe, como um fantasia. Mas ao mesmo tempo, parece tudo real! Judite, você sabia de tudo o que ela passava, de todos os amigos imaginários dela. Eu queria saber, se o que está aí, é real... 

Judite balançava a cabeça enquanto ouvia Marta transpor sua dor. Ao final da conversa, pediu para que deixasse o livro ali, e que assim que acabasse de lê-lo, iria ligar para Marta. Marta foi embora, voltando para sua casa, onde foi recebida solidariamente pelo marido, o senhor Marcelo, um homem muito calmo e humilde. 
Alguns dias depois, Judite convidou Marta para seu apartamento, afim de conversarem sobre o caderno. Marta fora correndo para lá, no mesmo dia, com a esperança de achar respostas. Assim que chegou no local, foi convidada a se sentar no sofá e lhe foi oferecidos biscoitos e chás. 

- Senhora Marta...

- Pode me chamar apenas de Marta.

- Tudo bem. Marta, é incrível o que sua falecida filha escreveu aqui! É um romance e tanto, um misto de realidade e irrealidade. Mas sinto em lhe dizer que tudo não passou de fantasias, criadas pela cabeça dela, ou melhor, pela doença dela.

- Mas você está no livro!

- Eu sei, eu estou, e me parece que apenas as pessoas em que ela confiava estão ali também. Apenas eu, Adelaide e Adrian são reais. O resto, eram todos amigos imaginários que ela inventara.

Marta estava confusa. Judite tentou explicar tudo.

- Talvez ela tenha feito isso para poder se proteger, ou se sentir menos sozinha. Você sabe que ela sempre teve problemas para se relacionar com as pessoas à sua volta. Olhe aqui, Maggie por exemplo, ela esteve presente durante toda a vida de Ana e você sabia disso, apesar dela não existir para nós. Nós não a víamos, mas Ana via. Thierry também parece ter sido outra invenção da cabeça dela, assim como Maria Carolina, Vera...

- Eu não entendo, está tudo muito confuso...

- Deixe-me tentar entender o que aconteceu, por ela. Ana não teve uma vida muito normal e emocionante, certo? A maior parte do tempo, ela passou indo e vindo no hospital, e durante quatro anos, ficou confinada a uma clínica de reabilitação. Pois bem, ela queria ter sido feliz, ter sido uma pessoa sã e poder ter vivido melhor. Esta foi a forma que ela encontrou de viver tudo o que quis, de demonstrar tudo o que sentia, escrevendo tudo em um caderno velho, ao qual deu o nome de "diário". E olhe: ela arrancou boa parte das páginas deste caderno. A estória deveria ser maior, mas por causa disso, ela encurtou o diário. Bem senhora Marta, isto é tudo o que pude analisar e saber.

Judite estendeu o braço, entregando o livro à Marta. Marta hesitou.

- O que irei fazer com isso agora?

- Eu até tenho uma ideia. É um ótimo romance, dá para publicar. Se você tiver imaginação boa, pode até incrementar algumas coisas, para a estória ficar maior. Isso a ajudará a superar a morte da menina, e a conservá-la viva para sempre. Esta é apenas uma sugestão. 

Marta acatou a ideia. "Quem sabe?", pensou. Foi para a casa junto com o caderno. Contou ao marido sobre a ideia de publicar o suposto diário. Marcelo achou uma ideia um pouco precipitada, mas apoiou a esposa tristonha, já sem o brilho nos olhos a semanas. Marta estava com muitas ideias na cabeça, e resolveu então, seguir com a ideia de publicar o diário. 


380 dias- Diário de um hospícioWhere stories live. Discover now