XXV- Até breve, amigos

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São 380 dias, este é meu último dia aqui. A minha liberação demorou um pouco mais do que Judite havia falado. Eu arrumei minha pequena mala, deixei aqui do lado da minha cama. Vera está pelos corredores, estou sozinha no quarto. Olhando para tudo isso, parece que tudo não passou de um sonho. Eu odeio e amo este lugar. Difícil de entender, não? Pois é... Eu tenho amigos por aqui, eram uma família para mim. 
Maggie está no quarto dela, brava comigo de novo. Ela custa a entender que eu preciso ir embora. Eu quero muito ir embora, mas não quero deixar meus amigos de lado. Disse a ela ainda ontem, que iria vir aqui várias vezes para visitá-los, mas ela não quer entender isso. Não estou brava com ela, mas chateada. Quando consigo algo que me deixa feliz, vem outra coisa para me chatear. Vera também está chateada, mas ela entende que eu tenho que partir. Adrian está feliz por mim, o único. Já Thi... Thi vem me buscar amanhã, bem cedo. Ele não está mais aqui, ele agora está morando com Lucília, na casa dos pais dela. Aos poucos, estão retomando o relacionamento de alguns anos atrás. Lembro direitinho de como ele saiu daqui: com um pouco de medo, uma agonia, mas algo nele parecia se iluminar. Talvez o imenso sorriso que carregava no rosto. Também era visível o aperto que mantinha no coração, ao ter que deixar o irmão sozinho. Lembro que Adrian disse algo para ele em francês, bem baixinho, e que estava sorridente ao ver o irmão retomar a vida. Antes de sair pela porta da clínica, foi até mim, me abraçou forte, e disse:

"- Obrigada Ana, obrigada por me encorajar, por me mostrar novamente o que era sentir. Eu estava morto por dentro, mas quando me apaixonei por você, tudo pareceu mudar em mim. Só estou partindo, pois você me convenceu que eu preciso ser feliz também."

Aquilo encheu os meus olhos de lágrimas. Eu era apaixonada por ele, de verdade, mas me conformei que o destino teve planos diferentes para nós dois. Vá se fazer o que? A vida toma rumos inimagináveis! Agora eu me vejo igual a Thierry: saindo por aquela porta afora, deixando meus amigos para trás... Não quero nem pensar na angústia que irei sentir. Mas sempre estarei aqui para eles, sempre orarei por eles. 

Quando cheguei na clínica, eu era uma lagarta. E depois de todas as dificuldades, e todas as histórias e aprendizados, eu me sinto uma borboleta. A clínica foi o casulo. Não posso dizer que eu estou indo embora completamente curada, mas posso dizer que agora, estou mais apta a lidar com as dificuldades lá fora, me controlando melhor. Tenho muitos planos para o futuro. Mas agora está na hora do jantar, e amanhã, eu conto como foi a minha despedida. Boa noite amigos. Até amanhã.

                                                                                        ...

"- Acorde Ana! Eles chegaram, se arrume!"

Judite me acordou cedo. Deviam ser umas seis hora da manhã, pois o céu nem claro direito estava. Não consegui dormir direito na noite passada, pois estava ansiosa. Adivinhe aonde estou agora? Na casa de tia Maria! Sim! E já está caindo a noite. O dia hoje foi agitado. Vou começar do início. Eu me aprontei correndo de manhã, e fui com Judite até a recepção, onde titia assinava uns papéis. Thi estava lá com Lucília. Eu me lembrei dos meus amigos. 

"- Judite, os meus amigos... Onde eles estão?"

"-Estão dormindo ainda. Não sei se posso..."

Vieram três pessoas na recepção, com seus macacões amarrotados e descalços. Adrian estava enrolado no seu cobertor, pois estava frio de manhã cedo. Eu dei um baita de um sorriso. Maggie disse, um pouco inconformada:

"-Então... Você já está indo."

"-Sim, estou. Mas eu prometo que..."

Eu ia acabar de falar a frase, mas Maggie me abraçou, e em seguida, Vera e Adrian. Maggie chorava, Adrian também caiu no choro. Vera apenas sorriu. Não se segurei, e quando eu percebi, estava chorando também. 

"- Me desculpa Ana, por não tentar te entender... Eu só não quero ficar sozinha aqui."

"-Maggie, você tem o Adrian, a Vera, e muitas outras pessoas das quais você pode fazer amizade. Não se atenha somente a mim. E eu vou vir sempre te visitar. Não só a você, mas Adrian e Vera."

Adrian olhou para trás, e viu o irmão bem ali, parado, com a futura esposa do lado. Lucília não sorria muito, mas Thierry estava feliz ao ver o irmão e os amigos.

"- Irmão!"- Adrian exclamou, indo na direção de Thierry.

"- Como está Adrian? Como vai sem mim por aqui?"

"- Eu estou ótimo! Sinto falta de você as vezes, mas estou mais feliz por você estar feliz!"

Adrian tinha um bom coração, o que me impressionava. Ouvi Lucília dizer baixinho para Thierry:

"- Vamos embora logo!"

Não sei se ela gosta muito da gente, de estar por aqui. Eu não gosto muito do jeito dela. Nós a ajudamos quando ela nos pediu ajuda, ela deveria ser mais simpática conosco. Foi difícil deixar os três chorando e ir porta à fora. Mas foi preciso. Tia Maria já saiu dizendo que meu dia ia ser cheio. E foi mesmo. Chegamos na casa de minha tia, e estavam todos os meus tios e primos me esperando, com um bolo enorme de chocolate escrito: "Bem- vinda Ana". Nos reunimos para tomar um delicioso café-da-manhã. A casa de titia é simples e modesta, mas é enorme igual coração de mãe (será que agora eu finalmente entendo isso?). Depois, meu tio João, irmão de mamãe e de tia Maria, acendeu a churrasqueira, e fizeram um delicioso churrasco. Até Thierry ficou para o churrasco! 

"-Fazia um bom tempo que eu não comia um churrasquinho..."

A família parecia mesmo gostar muito de mim, apesar de eu não pertencer a ela totalmente. Meus primos pegaram todos os jogos de tabuleiros possíveis existentes na casa, e nos sentamos no chão como crianças para jogar. Ninguém ali era criança mais, mas aquilo era nostálgico e divertido. Passamos a tarde toda jogando "Banco Imobiliário", "Jogo da Vida", "Cara-a-Cara" entre outros. E bem no finalzinho da tarde, quando o sol estava já no meio do céu, nos dando sua despedida, meu tio teve uma brilhante ideia:

"- Vamos à praia? Ana quase nunca foi à praia."

"- Não sei João..."- disse minha tia- "Ana parece estar exausta, quem sabe outro dia?"

"- Pois eu topo tio! Quem está comigo levanta a mão!"

E todos levantaram as mãos. Eu estava feliz, como já disse, queria fazer tudo o que ainda não fiz. E a praia parecia um bom começo. Não que eu nunca tenha ido à praia, pelo contrário, quando eu era criança, ia muito com meus primos. Mas depois que cresci, fiquei um bom tempo sem ir. Fomos para Ipanema, e apesar de serem seis da tarde, havia ainda muita gente por lá. A vida do Rio de Janeiro é agitada, a cidade não dorme. Chegamos como crianças na areia, tiramos os sapatos, e entramos com tudo na água. Apenas Tia Maria e Lucília ficaram olhando a gente, na areia, e nós brincávamos com a água feito pivetes. Oito horas da noite e saímos todos molhados, e antes de ir para casa, Thi me chamou para um canto. 

"- Quero que fique com isto."- e deu um colar para mim.

"- É muito bonito... Mas não sei se posso ficar com ele Thi!"

"- Pois eu quero que fique. Era da minha mãe, a única coisa que eu guardei esses anos todos dela. Você é atenciosa como ela. Fique com isto, é um presente para marcar seu novo recomeço."

Agora mesmo estou usando este colar. Sim, eu o aceitei, não teve como negar. Ele tem uma linda pomba como pingente, que é o Espírito Santo. Eu o abracei naquele instante.

"- Obrigada Thi! Obrigada por tudo!"

"- E eu te amarei para sempre. Boa sorte nessa vida, a gente se verá ainda muitas e muitas vezes."

Lucília chegou esbaforida, e pareceu não gostar de nos ver juntos, a sós. Foi embora, puxando Thi pelo braço, enquanto ele acenava para mim. Eu e minha família voltamos para casa. Agora são meia-noite. Agora é o primeiro dia da minha nova vida, do meu novo lar. O meu novo quarto é alegre, apesar de ser todo branco. O armário é marrom, e a minha cama é macia e confortável. Minha tia me preparou uma xícara de chá de camomila antes de se deitar. Estão todos dormindo, menos eu. Acho que não irei dormir por um bom tempo... Bem, eu não estou de pijama, estou bem vestida. Meu primo deixou a porta da cozinha aberta. Vou sair. Vou ver como a cidade é de noite. Estou com medo, mas estou com vontade de fazer alguma loucura, pelo menos uma nessa vida. Então, boa noite tia e tio, primos, Maria Carolina, Thi, Adrian, Maggie, Vera, e todos que eu amo muito. Até breve. 

380 dias- Diário de um hospícioWhere stories live. Discover now