IV- Maggie e o cadáver

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Um mês se passou. Estou aqui a um mês! Como sobrevivo a isso?! Céus! Ando meio estressada, deprimida, e reflexiva. Apesar de tudo que se passava em casa, com a louca da minha mãe, eu gostava de lá. Meu quarto... Fico imaginando como meu quarto deve estar, e a casa também... Eu gostava muito do meu quarto. Apesar de se parecer muito com o daqui, minha cama era mais macia, eu entrava nele e sentia o cheiro do meu perfume e tinha um espelho para me olhar todos os dias e dizer: "eu vou conseguir". Aqui é entediante também, pois não posso fazer nada, tocar em nada, e nem falar estou podendo. Lá em casa, eu limpava os comôdos, lavava a louça, via um pouco de televisão. Aqui, nem com a cozinheira posso conversar. 

Passei o resto desse mês que se passou tentando conversar com a menina do quarto 32. Descobri que o nome dela é Margarida, mas todos a chamam de Maggie. Ela mal saia do quarto, e nunca a vi no refeitório junto com os outros. Natasha tem sido muito minha amiga, e sinceramente, estou começando a gostar dela. Sinto algo por ela que nunca senti por ninguém, e isso é estranho. Me dá medo quando penso na possibilidade de estar apaixonada por ela, pois eu nunca fiquei com um homem, e posso estar confundindo as coisas. Semana passada eu e ela ficamos no meu quarto, proseando deitadas na cama, com a cabeça para fora dela até sentir o sangue subir por completo. Os cabelos dela estão com a tintura desbotada, e o corpo dela, magro e frágil. Podiam aqui, pelo menos, melhorar a nossa alimentação e dar um sentido de vida para nós. Podiam deixar Natasha ir ao cabeleireiro uma vez por mês, mas a psiquiatra não nos concedeu o pedido, e mandou com que as enfermeiras dobrassem o cuidado para conosco, pois estava achando muito estranha a nossa amizade. Lembro de escutá-la dizendo:

"-Não quero as duas juntas, pois se acontecer uma rebelião de loucos por aqui, já saberei de onde partiu. Cuidado com Ana Laura!"

Elas tentaram nos afastar por completo, mas de noite, Natasha colocava debaixo do lençol dois travesseiros, arrumava-o para se parecer com um corpo dormindo, e vinha aqui para o meu quarto. Ficavámos juntas até tarde, e depois ela voltava para o quarto dela. Nunca nos pegaram. Eu até me divirto, mas muito pouco, e a maior parte com Natasha. Quando ela adoece, eu fico muito angustiada, pois ela não pode nem sair do quarto, e isso tem sido frequente. 

Hoje cedo, eu fui tomar o meu café sozinha, pois Natasha estava de cama. Fui muito chateada, e me sentei só. Adelaide passou por mim, e me deu bom dia, sorrindo. Foi se sentar com um rapaz. O refeitório estava cheio, e fiquei esperançada de quem eu queria de aparecer. Não, não era de Natasha que estou falando, e sim, de Maggie. Enquanto esperava as enfermeiras trazer meu lanche, duas outras vieram com uma menina, e logo reconheci quem era. Abri um baita sorriso ao ver que era a minha próxima protagonista deste diário. Elas sentaram Maggie na mesma mesa que eu, e mandaram-na esperar ali. Maggie ficou me encarando. Ela estava sem cortes nenhum. Tentei puxar conversa.

"-Oi."

"-Oi."

"-Tudo bem com você?"

"-Sim. Não, na verdade, não sei..."

"-Me chamo Ana Laura."

"-Maggie."

Ela parecia na defensiva sempre. Fui direto ao assunto.

"-Bem, eu queria muito poder ouvir sua história, e escrevê-la em um diário que estou fazendo sobre as pessoas daqui. Você gostaria de..."

Ela mal me deixou terminar.

"-Não."

"-Oras, mas é só me contar..."

"-Não."

Maggie me olhava com raiva. Ao perceber as enfermeiras que cuidavam dela chegando, disse rapidamente em tom baixo:

"-Tudo bem. Mas se mudar de ideia, vá até o quarto 28, no mesmo corredor que o seu. Vá escondida de tarde, na hora do intervalo ao ar livre."

380 dias- Diário de um hospícioWhere stories live. Discover now