#19# Any ( curiosidade )

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ANY

Não sabia o motivo de ele ser tão misterioso e porquê sempre me afastava toda vez que tentava me aproximar. Aquele homem tinha praticamente salvado a minha vida, não poderíamos ser minimamente amigos? Teria uma gratidão eterna a ele. Não precisava fechar a cara toda vez que eu me aproximava, precisava?



Não consegui dormir, para ser honesta, nem tentei. Ficava apavorada só de pensar que meus sonhos me levariam de volta aos momentos mais terríveis e angustiantes da minha vida. Sentia-me feliz pela primeira vez em meses. Até bolo eu comi.



Saí da cama naquela manhã com o sol invadindo o quarto do meu pequeno conto de fadas. Como minha mãe sempre dizia: depois da tempestade, sempre vem a calmaria. Apenas almejava que aquele momento de calmaria durasse para sempre, eu já havia sofrido demais.



Saí da cama e peguei um dos conjuntos de roupa que o Wallace havia comprado para mim. Como não eram muitas, logo iria precisar lavá-las. Poderia perguntar a Elga onde encontrava um tanque ou uma máquina de lavar roupas, a segunda opção parecia improvável para um castelo, mas considerando a forma como a cozinha era equipada, não era assim tão impossível.



Fui até a cozinha e Elga estava me esperando com um ótimo café da manhã, com direito a ovos, bacon e panquecas.



— Bom dia, querida!


— Bom dia! — Dei a ela um sorriso tão largo quanto o seu ao me sentar diante do prato que ofereceu para mim.



— Dormiu bem, criança?


Fiz que sim, era mentira, mas não queria falar para ela sobre o que eu tinha passado. Gostava muito da forma como sorria com os olhos toda vez que me via, não queria que essa expressão fosse substituída por um olhar de pena.



— E você?


— Tive uma ótima noite. Vi que alguém andou mexendo na minha cozinha enquanto eu estava fora. — Colocou as mãos na cintura e estufou o peito, arrancando de mim uma gargalhada.


— Quis fazer o bolo de chocolate. — Coloquei uma fatia de bacon na boca para que não fosse obrigada a falar pelos próximos cinco minutos.


— Parece que conseguiu, pois provei um pedaço e está delicioso.



— Sempre gostei de fazer bolos, quando era mais nova e não podia mexer com o forno, minha mãe colocava o bolo por mim e ficava vigiando-o. — Suspirei ao me recordar dela com saudosismo, era uma época em que as coisas eram tão diferentes.


— Bom saber que tem esse talento todo, posso recorrer a você quando o senhor quiser algo de confeitaria, pois confesso que o meu forte são os pratos salgados. Sei fazer um ensopado de peixe divino.


— Iria adorar provar qualquer dia desses.


— Pode deixar que farei ainda essa semana.


— Obrigada!


Terminei meu café da manhã e comi mais uma fatia do bolo que havia preparado na noite anterior. Ofereci a minha ajuda para Elga, que iria começar a preparar o almoço, mas ela se recusou, incentivando-me a ir fazer outras coisas. Afinal, eu era uma hóspede ali e não uma empregada.



Estava encucada que, nem ela ou nenhum outro empregado com quem cruzei pelos corredores daquele castelo ou no jardim, havia me perguntado o motivo de eu estar ali. Como não vi nenhuma pena ou espanto nos olhos deles, imaginei que não soubessem que eu havia sido leiloada. Ou Wallace e Josh haviam contado alguma outra história ou simplesmente eram bem menos curiosas do que as pessoas no Brasil.



Decidi andar pelo castelo outra vez. Tinha conhecido a biblioteca espetacular com inúmeros títulos no dia anterior e ansiava por saber o que mais poderia encontrar ali.




Segui por um corredor mais afastado, perto do pátio e percebi que no fim dele havia uma escada. Desci e me deparei com uma porta escura de ferro em estilo medieval, lembrei-me de que Wallace havia me falado para ficar longe das portas fechadas, mas aquela em particular me chamou muita atenção. O que haveria ali no subsolo que era tão afastado do restante do castelo?



Empurrei a porta, ela parecia emperrada, mas não fechada. Fiz um pouco mais de força e a porta abriu. Se haviam esquecido aberta, não era problema meu. Dei um passo para dentro e tateei a parede a procura de um interruptor. Custei a encontrá-lo em meio aos tijolos frios. A luz acendeu e eu cambaleei para trás...




Não era uma luz comum, como aqueles lustres que iluminavam tanto ou as lâmpadas florescentes que usávamos em casa. Ela acendeu uma faixa vermelha no teto e outra no chão, traçando os limites da parede. No teto, havia um lustre menor com lâmpadas imitando velas. Contudo, não foi a iluminação do lugar que me deixou de boca aberta. No fundo, havia uma grade que fazia o ambiente parecer uma cela. Era uma masmorra, poderia ter sido construída junto com o restante do castelo, mas havia sido bizarramente remodelada.




Em um canto, uma cama com colcha vermelha, possuía travas altas como as das camas com dossel, mas havia apenas a estrutura, sem qualquer tecido bonito enfeitando. Havia um cavalete, uma cadeira estranha e um banco como aqueles de rezar nas igrejas, com lugar para apoiar os braços e os joelhos. Em uma das paredes, havia um X vermelho e em cada extremidade da letra, uma algema para prender braços e pernas. Além disso, visualizei um baú e uma cômoda, imaginando que pudesse haver ainda mais coisas guardadas. Havia visto e passado por muitas coisas nas mãos dos traficantes, mas não estava pronta para me deparar com aquilo.




— O que faz aqui, Any? — A voz rouca e grave do Josh ecoou atrás de mim e saltei com um susto imenso que fez meu coração disparar.




— O que é tudo isso? — Virei-me para ele com a mão no peito e percebi que ele estava logo atrás de mim.



— Não deveria ter vindo aqui. — Segurou o meu pulso e me puxou para fora, arrastando-me escada acima sem se importar com quanta força a sua mão estava fazendo no meu pulso.





— Me solta! — Bati nele com a minha mão livre. — Você está me machucando. — Assim que eu disse isso, Josh soltou o meu pulso.

— Não pode andar pelo castelo e entrar onde bem entende. Você não está em casa. Estou fazendo um favor para você por ainda mantê-la aqui. Não morda a mão que a alimenta.





— O que você faz lá embaixo? Por acaso tortura pessoas? — Busquei seus olhos azuis, encarando-o com firmeza. Já havia passado por coisas demais para descobrir que o medo era o meu pior aliado e que me tornava impotente.




— Disse para você que não sou um homem bom, nem gentil, ANY.



— Você é um sádico?



— Não, sou um dominador. Não faço as mulheres sentirem dor.




— Agora tudo faz sentido... — Dei passos cambaleantes para trás, até conseguir correr.





Confusa e profundamente assustada, corri o mais rápido que meu fôlego me permitiu. Subi as escadas correndo e por pouco não tropecei nos meus próprios pés. Se caísse de cara naqueles degraus de mármore, era bem provável que perderia alguns dentes. Tranquei a porta do quarto, o lugar em que o Josh havia me feito sentir segura. Como fui ingênua, havia confiado cegamente nele apenas porque ele me comprou e por não ter tentado me estuprar como os outros.





Um príncipe encantado não estaria em um lugar onde mulheres eram vendidas.




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Comprada por JOSH ( ADAPTAÇÃO )Where stories live. Discover now