CAPÍTULO 37

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Já era tarde da noite e eu não conseguia dormir, não importava a posição, nada estava confortável. Bufei me sentando e observando Beatriz caída no sono profundo, então retirei a peruca e todos os grampos que a deixavam mais firme em minha cabeça e a pus de lado massageando meu couro cabeludo. Respirei fundo olhando a luz do luar atravessar as cortinas e iluminar uma parte do quarto.

Andei lentamente até a varanda buscando fazer menos barulho possível e me vi sentindo a brisa suave daquele lugar, como eu gostei de sentir o cheiro do mar, era delicioso, menos o gosto, o gosto era detestável.

Num súbito ato de loucura, decidi ir até o andar de baixo e passear brevemente pelo jardim, quem sabe minha mente se esclareça e eu possa dormir melhor. Peguei meu xale e cobri minha cabeça e ombros, então saí do quarto a passos delicados e firmes, felizmente Beatriz nem notou meus movimentos. Tudo estava muito silencioso, o que era bom, afinal poderia ir e voltar sem que me percebessem. A porta que ligava ao jardim nunca ficava trancada, isso permitia que os retardatários voltassem para pensão tarde da noite, assim como os amantes. Sorri, pelo visto a senhora Venoza escolheu muito bem a pensão que me colocou com seu filho. Sua intenção era tão clara do quanto os rios mais translúcidos de Hikari.

Assim que pisei no jardim, meus olhos foram diretamente ao céu estrelado dali, sorri maravilhada. Nunca me acostumaria com a beleza das coisas, e acho que poder ver isso me fazia mais feliz, já que todas as outras coisas pareciam desabar sobre meus pés. Andei observando o céu, estava muito estrelado, tanto que mal podia contá-las. Me lembrei então de meu passado, quando o fedor de bebida estava insuportável dentro de casa, costumávamos nos sentar à noite no pátio de casa para ver as estrelas...

— Quantas você acha que tem? — Lisa perguntou olhando o céu.

— Talvez cem! — exclamei mostrando minhas duas mãos abertas para ela.

— Muito mais que cem, Mari. — Ela apontava para o céu com um galho enquanto o mexia de um lado para o outro. Fiz um bico sem compreender como poderia ser mais que cem, já que cem já era muito!

— Então tem quantas? — perguntei tentando entender o que se passava em sua mente, ou por que ela estava com aquele olhar tão melancólico. Lisa sempre teve essa mania, ela pouco falava, mais pensava e costumava ser muito séria e paciente, às vezes era implicante, mas eu também a provocava.

Sorri ao me lembrar.

Eu apenas não gostava de que ela costumava guardar suas coisas apenas para si. Uma vez, a vi se cortar com a faca sem querer, o corte não foi profundo, mas sangrou bastante, eu já teria feito um escândalo, mas ela apenas tampou a ferida, e mesmo com dor, continuou realizando seus trabalhos. No começo eu não entendia, mas depois, as coisas começaram a fazer sentido. Nós não podíamos chorar. E Lisa entendia isso melhor que ninguém. Parecia esconder seus sentimentos tão profundamente, que nem mesmo eu podia alcançá-los. Eu apenas queria poder abraçá-la e alcançar sua mais profunda tristeza, curar sua ferida mais profunda, mas ela nunca me permitiu fazer isto. Morreu ferida e sozinha, talvez com frio e com fome certamente.

Suspirei na tentativa de conter o choro. Já eu, sempre fui chorona, se não expresso por fora, desabo pro dentro e acredito que seja bem transparente, assim todos sabem como eu me sinto, e no fundo eu queria isso, mas e Lisa? Será que ela não queria que as pessoas soubessem o que ela sentia ou perdeu a muito tempo a esperança de ser compreendida? Era muito triste pensar em alguém que perdeu completamente a esperança. Respirei fundo melancólica decidida a não chorar, imagino que ela não gostaria de me ver chorar.

Prensei os lábios já pensando em voltar para dentro do quarto quando me deparei com aquela figura reconhecível bem na minha frente. O susto foi tanto que paralisei e meu coração disparou. Ryan me olhava de uma forma incompreensível, quase tão nervoso quanto eu. Logo me veio à mente o toque de seus lábios e senti minhas bochechas ruborizarem no mesmo instante.

O CONDE QUE EU AMAVAOnde as histórias ganham vida. Descobre agora